21 de jul. de 2017

Mercado de arte é usado no mundo inteiro para lavagem de dinheiro

Mercado de arte é usado no mundo inteiro para lavagem de dinheiro

Desembargador federal, Fausto Martin De Sanctis, lançará livro "Lavagem de Dinheiro por meio de Obras de Arte"
Jornal GGN - O mercado de obras de arte é altamente procurado no mundo para lavagem de dinheiro. Em entrevista à DW Brasil, o desembargador federal brasileiro Fausto Martin De Sancti, que pesquisou o tema durante seis meses nos Estados Unidos, observa que as práticas éticas do mercado de artes precisam ser discutidas não só no Brasil, lembrando que existe "um furo de regulamentação e regulação mundial", nesse setor. Segundo o desembargador, hoje é mais difícil transportar dinheiro em espécie do que uma obra de arte, ele acrescenta que não existe preparação das autoridades alfandegárias para lidar com esse tipo de produto. "Num tubo pode ser colocada uma obra que vale 8 milhões ou 10 milhões de dólares e ninguém se dá conta", diz. 
Deutsche Welle, Clarissa Neher
Criminosos de todo o mundo se voltam para o mercado de obras de arte na hora de lavar dinheiro, garante estudioso. Principais motivos são falta de controle e má preparação das autoridades.
Durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal (PF) apreendeu centenas de obras de artes suspeitas de terem sido usadas para lavar dinheiro. Nesta quinta-feira (19/03), 139 peças recolhidas na décima fase da investigação foram destinadas ao Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba. Só na casa do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, a PF encontrou 131 obras.
Desde o início da operação, o museu curitibano recebeu 203 obras apreendidas. O acervo conta com quadros de artistas internacionalmente conhecidos, como Joan Miró, Salvador Dalí, Amílcar de Castro, Di Cavalcanti, Romero Brito, Aldemir Martins e Miguel Rio Branco. A coleção da Lava Jato ficará sob custódia provisória do MON até o fim da investigação e o julgamento dos acusados de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.
O uso do mercado de artes em esquemas de lavagem de dinheiro, no entanto, não é algo novo nem exclusivo do Brasil. Durante seis meses, o desembargador federal brasileiro Fausto Martin De Sanctis pesquisou nos Estados Unidos como o mercado de arte é usado mundialmente para lavar dinheiro. A pesquisa resultou em um livro, lançado em 2013 nos Estados Unidos e posteriormente na Europa.
A obra, com o título provisório Lavagem de Dinheiro por meio de Obras de Arte, foi atualizada e traduzida para o português e será lançada em breve no Brasil pela editora Del Rey. Em entrevista à DW Brasil, De Sanctis falou sobre as relações entre a lavagem de dinheiro e o mercado mundial de obras de arte.
DW Brasil: O que torna o mercado de artes um espaço atraente para a lavagem de dinheiro?
Fausto Martin De Sanctis: O mercado da arte sempre foi relativamente livre. Ele é uma arena real e, ao mesmo tempo, clandestina. Poder-se-ia dizer que constitui um ecossistema à parte, porque sempre existiu, com muita tolerância, o uso de documentação falsa ou, muitas vezes, a documentação de posse sequer existe.
Então é um mercado em que a ética de suas práticas deve ser discutida. Ele acabou se tornando atraente para a criminalidade organizada, pois é muito mais fácil lavar [dinheiro] diante da ausência de controle por parte das agências governamentais.
Essa ausência de controle se deve a que fatores?
Há um furo de regulamentação e regulação mundial desse mercado. Assim, delinquentes de crimes econômicos, corrupção, fraudes financeiras e, mais recentemente, tráfico de drogas usam esse mercado diante dessa falta de controle e da facilidade de transporte da obra de arte, sem que ninguém questione esse comportamento.
Hoje é mais difícil transportar dinheiro em espécie do que a obra de arte. Num tubo pode ser colocada uma obra que vale 8 milhões ou 10 milhões de dólares e ninguém se dá conta. Não há, no mundo inteiro, preparação por parte das autoridades alfandegárias e por parte das autoridades da receita federal.
Por outro lado, as grandes casas de leilão internacional vendem obras e admitem pagamento em espécie. E, quando ocorre o pagamento em espécie, pouco é questionado sobre quem são os compradores dessas obras.
Onde são adquiridas as obras compradas para a lavagem de dinheiro?
Elas podem ser compradas diretamente com o proprietário ou em casas de leilões internacionais. Um aspecto importante desse setor é que ele é marcado pela confidencialidade, ou seja, quem vende não quer mostrar seu nome, não quer aparecer como vendedor, porque, na versão melhor desse fato, a pessoa que está vendendo uma obra de arte está indo para a bancarrota.
Assim, seria uma vergonha se mostrar com vendedor de arte, o que não necessariamente é verdade. O mercado faz questão de preservar a confidencialidade com esse argumento. Só que a confidencialidade não pode existir para as autoridades públicas. Se houver suspeita, os nomes do vendedor e do comprador precisam ser comunicados.
Obras roubadas também são compradas no esquema de lavagem de dinheiro?
Existe de tudo. Roubo de obra de arte é frequente. Eu tive casos grandes de tráfico, por exemplo, nos quais peças estavam sendo negociadas para fins diversos, inclusive de fuga, ou seja, obras de artes estavam sendo negociadas e o setor não estava fazendo nada. Quando há o combate à lavagem de dinheiro e se permite esse furo, então não há um combate à altura do crime organizado.
Então, no esquema de lavagem de dinheiro, a pessoa compra a obra para lavar o dinheiro e, depois, caso precise do dinheiro, ela revende a peça...
Exatamente. Na lavagem de dinheiro há três fases. Na primeira, a pessoa coloca o dinheiro num local que não seja ligado a ela. Depois ela afasta esse valor ainda mais para quebrar a cadeia de evidências. A terceira fase é a reintegração, ou seja, o montante que estava em algum lugar escondido volta para o mercado com a aparência de licitude. Eu falo também numa quarta fase, a reciclagem, quando a pessoa começa a apagar todos os indícios de lavagem de dinheiro.
Existe um motivo que leve uma pessoa a escolher o mercado da arte, e não outro meio, para a lavagem de dinheiro?
Quem recebe dinheiro ilegal adquire a obra de arte para não chamar atenção, pois poucos conhecem arte de verdade, ainda mais arte moderna. Uma obra de arte muitas vezes não acarreta sinais exteriores de riqueza. A pessoa pode ter um monte de obras de arte em casa e ninguém percebe que ela é milionária ou bilionária, dependendo do valor das obras.
Como é provado que as obras apreendidas em alguma operação são oriundas de lavagem de dinheiro?
No crime de lavagem de dinheiro, a pessoa desejar ocultar das autoridades o dinheiro obtido ilicitamente. Então, cabe ao Ministério Público provar que a pessoa adquiriu determinada obra de arte com o objetivo de não chamar a atenção das autoridades públicas para o dinheiro obtido ilicitamente. Lavagem de dinheiro é indício, basta a comprovação de indícios, ou seja, o conjunto de indícios é que vai dar a certeza ou não da existência do crime.
Com relação ao Brasil, existe alguma legislação que determina o destino final de obras de arte oriundas de crimes de lavagem?
A legislação não fala exatamente sobre o destino a ser dado ao bem obra de arte quando apreendido. O Brasil é signatário da convenção da Unesco de 1970 sobre proteção à arte no mundo, que deixa claro que os estados têm dever de preservar obras de arte para gerações futuras. Assim, obras de arte apreendidas, a meu ver, têm que ser destinadas a entidades culturais para acesso público.
Então, na verdade, a decisão do destino final fica na mão do juiz que está julgando o caso?
É. Mas a minha tese é que a legislação internacional conjugada com a legislação brasileira sobre arte determina que essas obras sejam destinadas a entidades culturais. A minha interpretação jurídica disso é que não pode ser dada outra destinação a não ser entidades culturais, não é possível a venda das obras para ressarcir quem quer que seja.
http://jornalggn.com.br/noticia/mercado-de-arte-e-usado-no-mundo-inteiro-para-lavagem-de-dinheiro
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