CARMEN LÚCIA FAZ DEFESA DA GUILDA DA REPÚBLICA DA TOGA DURANTE PROTESTO
Ricardo Kotscho Comments
Guilda – substantivo feminino: “Durante a Idade Média, em certos países europeus, associação que agregava pessoas que possuíam interesses comuns (comerciantes, artistas, artesãos etc.) com o propósito de oferecer assistência e segurança aos seus membros” (Dicionário Online de Português).
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É para lá, a Idade Média, que estamos voltando a passos largos.
Num país falido, onde o salário mínimo dos trabalhadores não chega a R$ 1 mil, os mais de 17 mil membros da guilda da República da Toga ganham pelo menos R$ 30 mil por mês, fora os penduricalhos, e acham pouco.
Esta semana, ao mesmo tempo que a presidente do STF, Cármem Lúcia, com sua pompa e circunstância de madre superiora, fazia uma veemente defesa da República da Toga, na quinta-feira, do lado de fora do tribunal cerca de 500 representantes da nobre confraria faziam um protesto para pedir aumento e defender seus privilégios.
Na data marcada para a volta ao trabalho, lº de fevereiro, depois de 42 dias de férias, que a Justiça chama de recesso, estes juízes mataram o serviço para ir a Brasília.
Eles estão perfilados na emblemática foto de Pedro Ladeira publicada na capa da Folha de sexta-feira, um retrato histórico da mais poderosa corporação brasileira do século 21.
Não consegui ver nenhum negro ou mulato na fotografia. São em sua maioria homens com elegantes ternos escuros na última moda, certamente confeccionados pelos mais finos alfaiates. As vestimentas das senhoras são mais adequadas a ir a uma ópera do que a um protesto.
No trecho mais enfático da sua defesa, Cármem Lúcia subiu o tom, sem dizer a quem se dirigia:
“O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça, agravá-la ou agredi-la. Justiça individual, fora do direito, não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal”.
Segundo a imprensa, o recado era para o PT pelas duras críticas que seus dirigentes fizeram à condenação de Lula.
Poderia ser também para seus pares, que ultimamente estão fazendo de tudo para desacreditar o Judiciário, decidindo julgamentos de acordo com suas convicções, preferências e conveniências, não necessariamente respeitando as leis em vigor.
Bom exemplo disso foi o que aconteceu no ano passado no próprio STF, quando a ministra Carmen Lúcia comandou o julgamento no plenário que tirou Aécio Neves da prisão domiciliar e o devolveu ao Senado, depois de criar uma gambiarra que permitiu a Renan Calheiros continuar na presidência daquela casa legislativa.
O Judiciário de Cármen Lúcia reúne hoje mais poderes do que o Legislativo e o Executivo juntos, mas nunca foi tão contestado e pouco respeitado como agora.
Até o todo poderoso Gilmar Mendes acha que estão exagerando, ao transformar o salário de ministro do STF, que deveria ser o teto constitucional para o funcionalismo público, em piso da magistratura.
Também esta semana ficamos sabendo que todos os 17.351 protegidos da guilda recebem auxílio-moradia de quase R$ 5 mil, mesmo quando têm imóvel próprio na cidade em que trabalham, graças a uma liminar do ministro Luiz Fux, em 2014, que já custou ao país mais de R$ 2 bilhões.
Só no final do ano passado Fux liberou o processo para julgamento em plenário, o que está previsto para março. É por isso que as associações de magistrados se rebelaram e foram a Brasília para levar seu protesto. Se o benefício cair no julgamento em plenário, quem vai devolver este dinheiro aos cofres públicos?
No mundo dos comuns, quando se falta ao serviço sem justificativa, ainda mais para protestar, temos o ponto cortado, mas não se tem notícia de que isso tenha acontecido com quem foi à manifestação em frente ao STF.
Não são poucos privilégios que estão em jogo. Além da moradia, os juízes recebem outros auxílios de todo tipo, da creche dos filhos ao funeral, e são os únicos trabalhadores brasileiros com direito a 90 dias de férias e feriadões em 2018.
No ano passado, Cármem Lúcia antecipou o feriado do dia do servidor, 28 de outubro, que caía num sábado, para um dia de semana, para emendar a folga com outro feriado nacional.
Cobrado por receber o auxílio-moradia apesar de ser dono de um belo apartamento a três quilômetros do seu trabalho, o juiz-herói Sergio Moro deu esta justificativa ao Globo:
“O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”.
Embora discutível? Já pensaram se todos os servidores públicos que estão sem aumento neste período reivindicassem também um auxílio-moradia, que além de tudo desrespeita o teto constitucional, praticado justamente por aqueles que deveriam defender a Constituição?
Ou seja, os senhores juízes se concederam um aumento salarial por conta própria, chancelado pelo ministro Luiz Fux, pai de uma jovem desembargadora no Rio, que é dona de dois apartamentos de luxo, mas também recebe o auxílio-moradia.
A quem, afinal, a suprema ministra Carmen Lúcia se dirigia em seu discurso quando pediu respeito ao Judiciário?
Vida que segue.
https://www.balaiodokotscho.com.br/2018/02/03/carmen-lucia-faz-defesa-da-guilda-da-republica-da-toga-durante-protesto/
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