Nelson Werneck Sodré
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Dando sequência à série de matérias sobre relevantes autores do pensamento marxista brasileiro, marxismo21 destaca agora a produção intelectual e política de Nelson Werneck Sodré. Nesta seção divulgamos Quem é povo no Brasil?, um pequeno livro que, de forma exemplar, revela o compromisso político-ideológico do historiador na luta por mudanças sociais e pelo aprofundamento da democracia política brasileira no pré-1964. A seguir publicamos um texto, especialmente elaborado para o blog, de Paulo Ribeiro da Cunha, estudioso da extensa e diversificada obra de Sodré. Outras matérias (artigos, trabalhos acadêmicos de pesquisadores brasileiros e vídeos) sobre os trabalhos do pensador marxista são também divulgadas.
Editores
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Quem é povo no Brasil? *
Angélica Lovatto
Poucas palavras têm um emprego tão frequente quanto a palavra povo. Na linguagem política, nenhuma a excede em uso. “Vontade do povo”, “interesse do povo”, “defesa do povo”, são expressões correntes, repetidas por quantos falam e escrevem. Como o ato político por excelência, nas democracias do tipo do Brasil, é o ato eleitoral — quando são escolhidos os “representantes do povo” — a realização desse ato, dos preliminares à apuração de resultados, corresponde a um período em que o consumo da referida palavra é mais intenso: todos os interessados dizem dirigir-se ao povo, apelam para o povo, proclamam os direitos do povo.
Esse uso imoderado, embora natural nas condições em que vivemos, por parte de pessoas as mais variadas, e dirigindo-se, também, aos grupos mais variados, deu à palavra povo uma significação tão genérica que a despojou de qualquer compromisso com a realidade. Na boca ou na pena dos homens públicos, hoje, — e claro está que isso não acontece somente no Brasil, — povo é uma abstração. Cada um é livre de atribuir à palavra povo o significado que bem imaginar. E, particularmente, incluir-se em pessoa naquilo que imagina ser o povo. Mesmo na linguagem política, — e é no plano político que o seu uso tem importância, — aquela palavra mágica, refrão a que todos se apegam, fórmula para todos os problemas, sésamo para todas as portas, não tem limitações, contorno, características.
Expressa, de modo vago, aliás, todos os que participam da vida política, e mesmo a maioria dos que dela não participam. Ninguém aceitaria a sua própria exclusão do campo a que se aplica o letreiro povo. Todos se consideram povo. Uma secreta intuição, entretanto, faz com que cada um se julgue mais povo quanto mais humilde a sua condição social: é este um título, aliás, — e o único, — de que os desfavorecidos da sorte não abrem mão. Eles nada possuem, mas por isso mesmo orgulham-se de ser povo. Esse orgulho corresponde, espontaneamente, ao sentido da definição que liga o conceito de povo à situação econômica dos grupos, camadas ou classes sociais.
Algumas correntes, realmente, interpretando os fatos políticos, identificam o povo com os trabalhadores, e admitem que os trabalhadores constituem as massas populares, ou a sua maioria, sendo desprezíveis, no conjunto daquelas massas, os não trabalhadores. Outros, mais rigorosos, aceitam como trabalhadores e, consequentemente, como povo, apenas os produtores de bens materiais. É verdade, sem dúvida, que, em todos os tempos, em todas as fases históricas, os trabalhadores ou, mais restritamente, os produtores de bens materiais, constituíram, e constituem, a massa principal do povo, e desempenharam, e desempenham hoje, com mais forte razão, o papel fundamental no desenvolvimento da sociedade. Mas é também fato indiscutível que, em todas as fases históricas, e ainda hoje, na fase histórica que estamos vivendo, as massas populares abrangeram, e abrangem, camadas muito variadas da população, nelas compreendidas as que não produziam, e não produzem, bens materiais, e até mesmo aquelas que se distinguiam pela circunstância de aproveitar o trabalho alheio para se diferenciar das outras.
A ideia de que o povo é constituído apenas pelos produtores de bens materiais é uma inequívoca limitação, na grande parte dos casos, — no caso do Brasil, por exemplo. Há trabalhadores, na sociedade brasileira, e na sociedade de todos os países, que não podem ser englobados entre os produtores de bens materiais e, entretanto, pertencem ao povo. Os empregados não produzem bens materiais, nem os funcionários, nem os intelectuais. Seria justo excluí-los do conceito de povo? Parece que não. Por aí vemos que o critério econômico restrito não pode servir de base a uma conceituação aceitável e justa. Outros critérios, mais amplos, que englobam entre os trabalhadores também aqueles que realizam um trabalho útil à sociedade, e não apenas um trabalho que resulte na produção de bens materiais, seriam mais justos, sem qualquer dúvida. Mas não levariam ainda a um conceito exato de povo. Ler mais: acesso
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Nelson Werneck Sodré: uma obra militante
Paulo Ribeiro da Cunha *
Ao longo da história brasileira, vários intelectuais se destacaram pelo conjunto de sua obra, poucos, no entanto, somam a este reconhecimento uma inserção militante, especialmente no campo popular. Recentemente, alguns deles começaram a ser resgatados no debate político e acadêmico; todavia, entre eles há uma singularidade que foi Nelson Werneck Sodré. Ele desenvolveu sua trajetória na perspectiva de duas vocações, a primeira, a vocação como militar de carreira; a segunda, como intelectual de profícua obra de cerca 56 livros, além de autor de milhares de artigos, abordando várias áreas do conhecimento como a história, a economia, a política, militares entre outras. Se ao mesmo tempo, como militar, chegou a patente de general (da reserva); como intelectual, desenvolveu esta vasta produção teórica descolada da universidade, algo singular por sua dimensão, e na confluência de ambas as vocações, há ainda uma outra característica do historiador bem pouco explorada: a do revolucionário. Esta confluência vocacional de Nelson Werneck Sodré tem origem no tenentismo, e, aos poucos, pavimentada em sua rotação à esquerda e ao marxismo, sendo que, no processo de lutas no Brasil do século XX, ele atuou com destaque militantemente nas grandes causas nacionais. Porém, o preço pago pelo também foi alto, e refletiu por um lado, no obscurantismo e sua rejeição das forças armadas como um de seus maiores pensadores; e, por outro, também expressou na academia, em face de sua condição de militar e militante comunista (com uma obra produzida à margem de seu campus), a rejeição por alguns setores universitários a qualquer diálogo. Nos últimos tempos, temos visto sua redescoberta – através de livros sobre o autor e dissertações sobre sua obra – e a retomada de um diálogo sobre a contemporaneidade de suas teses que, aos poucos começam a transpor os muros acadêmicos, embora esta aproximação ainda esteja distante entre os militares.
Nelson Werneck Sodré nasceu em 1911, vindo ao mundo pouco antes de grandes acontecimentos internacionais como a I Guerra e a Revolução Russa com reflexos diretos em um Brasil em transformação, como ele mesmo ressalta em suas memórias, embora ainda um país dependente no seu quase centenário de independência. Sua origem familiar é modesta e não tem qualquer tradição com a carreira das armas; na verdade, ele como muitos de sua geração e das subsequentes, entraria no Colégio Militar e posteriormente na Escola Militar como a quase única possibilidade naqueles tempos de viabilizar uma ascensão social e ter uma formação. Não sem coincidência, esta experiência – não isenta de suas críticas – possibilitaria a Sodré elementos para fundamentar – conjuntamente com outras mediações como o fato dos militares estarem ao lado das causas nacionais e progressistas em vários momentos de nossa história – a controversa tese da vocação democrática do exército. Mas não somente este aspecto veio influenciar sua formação, embora esta passagem no exército seja uma determinação; o Brasil à época vivificava uma era de grandes transformações, seja pela emergência de um movimento operário que aos poucos se inseria no processo político como ator social; mas que também vivificado pela participação dos militares na política, particularmente com a emergência do tenentismo como expressão de vanguarda de um processo revolucionário burguês que antecipava a presença da jovem oficialidade no processo histórico. ler mais: acesso
* Professor de Teoria Política, Unesp, campus de Marília.
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Textos de pesquisadores sobre a obra de NWS
A utopia tenentista no pensamento marxista de N. Werneck Sodré, Paulo R. CUNHA | acesso |
Werneck Sodré e as intepretações do Brasil, Daniela CONTE | acesso |
O conceito de povo nos Cadernos do povo brasileiro, Angélica LOVATTO | acesso |
Werneck Sodré hoje, Marcos SILVA | acesso |
Por uma releitura de Nelson Werneck Sodré, Leandro KONDER | acesso |
A história engajada de Werneck Sodré, Lígia Maria SILVA | acesso |
A subversão da história oficial, Marly VIANNA | acesso |
O ISEB e o golpe de 1964: entrevista a Denis de MORAES | acesso |
O general, a história e a democracia: entrevista a Marco Aurélio NOGUEIRA | acesso |
O lugar de NWS no pensamento político brasileiro, Daniel LEMOS e Louise LEMÕES | |
Percurso intelectual de NWS, João Alberto Costa PINTO | acesso |
Werneck Sodré e o povo brasileiro, Augusto BUONICORE | acesso |
Cultura Popular e a questão da cultura popular, Olga SODRÉ | acesso |
Documentos
Coleção Nelson Werneck Sodré, Biblioteca Nacional | |
Carta de Fidel Castro a NW Sodré, junho de 1985 | acesso |
Carta de Caio Prado Jr. a Werneck Sodré, 1947 | acesso |
Debate no Teatro Casa Grande (Rio de Janeiro) sobre a obra de Werneck Sodré | |
Debate no Cedem-Unesp: 100 anos de Werneck Sodré | acesso |
https://marxismo21.org/nelson-werneck-sodre-um-marxista-engajado/
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