Em Berlim, ativistas alemães farão ato contra Bolsonaro e em homenagem a Marielle
Além de prestar homenagens a Marielle Franco no dia do aniversário de um ano do brutal assassinato da vereadora, ativistas alemães e brasileiros protestarão contra o presidente Jair Bolsonaro e o apoio de empresas do país ao seu governo; arma utilizada para matar Marielle, inclusive, é de uma marca alemã
Ato antifascista em Berlim em novembro do ano passado (Foto: Christian Russau/Facebook)
Na quinta-feira (14), data em que se completa um ano do brutal assassinato – ainda sem respostas – de Marielle Franco, serão realizadas em inúmeras cidades brasileiras atos, vigílias e debates em homenagem a vereadora. Mas não é só no Brasil que a ativista dos direitos humanos é lembrada. Um ato em Berlim, capital da Alemanha, também está marcado para acontecer no mesmo dia.
Organizada por diversas entidades alemãs e brasileiras de direitos humanos, a mobilização de quinta-feira contará com dois protestos e uma marcha que têm como intuito, além de prestar homenagens a Marielle, demonstrar repúdio às políticas de “ataque à democracia” promovidas por Jair Bolsonaro e denunciar o apoio de empresas alemãs ao presidente.
A primeira manifestação começará às 15h30 (horário local) em frente ao prédio da Federação das Indústrias Alemãs (BDI). A ideia é fazer pressão para que as empresas do país deixem de apoiar um governo que os ativistas consideram “explicitamente antidemocrático”.
“Vamos denunciar – 50 anos depois da colaboração comprovada da Volkswagen com a ditadura militar brasileira – a contínua colaboração das empresas alemãs com políticos brasileiros como o Bolsonaro, que é explicitamente antidemocrático. Denunciaremos que as empresas alemãs, que representam 12% do PIB industrial brasileiro, continuam pensando só no lucro, e que os direitos humanos só lhes interessa quando se trata deles e de suas famílias”, disse à Fórum o jornalista, ativista e cientista social alemão Christian Russau.
Autor do livro “Empresas Alemãs no Brasil – O 7×1 na economia”, Russau faz parte do grupo conhecido como Acionistas Críticos, composto por ativistas que compram ações de corporações transnacionais para ter acesso às assembleias de acionistas e denunciar os crimes sociais, ambientais, econômicos e políticos destas empresas.
Na convocatória para a manifestação, as entidades organizadoras chamam a atenção para o fato de que Bolsonaro “implementa uma política de ataque à democracia”, que os direitos humanos “são considerados um entrave” em seu governo e que “seus planos são suprimir ou, pelo menos, enfraquecer os programas de proteção de direitos e seus defensores”, cujo objetivo seria “acabar com todas as formas de ativismo social” e “colocar na prisão ou forçar seus adversários ao exílio”.
“Enquanto isso, empresas e instituições alemãs declaram abertamente seu apoio ao governo Bolsonaro. O lucro parece ser mais importante para eles do que os direitos humanos e a democracia. É contra isso que protestamos com toda veemência”, declaram as entidades.
Depois do primeiro ato contra Bolsonaro e as empresas, os ativistas seguirão em marcha até a Embaixada Brasileira em Berlim, onde darão início ao ato de homenagem a Marielle Franco e “contra a repressão de mulheres e homens negros, dos indígenas, dos quilombolas, da comunidade LGBTQI*, dos sem-terra e dos movimentos sociais”.
À reportagem, o ativista Christian Russau explicou ainda que a luta contra o apoio de empresas alemãs ao governo Bolsonaro tem ligação direta com o assassinato de Marielle. Um dos exemplos é que a arma utilizada para matar a ex-vereadora é da marca Heckler & Koch, uma empresa alemã.
“Nós, ativistas de Direitos Humanos, exigimos a proibição de armas como a da Heckler & Koch para a Polícia Militar brasileira, como é proibida a exportação dessas armas para alguns estados do México”, afirmou.
A mobilização em Berlim é organizada pelo Fórum Resiste Brasil – Berlin, Brasilien Initiative Berlin, FDCL, Kooperation Brasilien – KoBra, KURINGA, Bloque Latinoamericano Berlin, Brasilien Initiative Freiburg, Dachverband der Kritischen Aktionäre, FIAN, Anastácia Berlin, RefrACTa Coletivo Brasil-Berlim, Mash-Up Multigender / Multiworld, ASW, Gira – Festival de Resistência e Internationale Liga für Menschenrechte.
Livro do jornalista Christian Russau mostra como a presença das empresas alemãs no país aprofundou e perenizou as condições de vida desfavoráveis da maior parte da população brasileira
Se os 7×1 da semifinal da Copa do Mundo de 2014 foram um acontecimento inesperado no mundo do futebol em se tratando de Brasil e Alemanha, nas relações econômicas bilaterais a disparidade é a regra. E também dessa vez não são os europeus que estão em desvantagem. A balança comercial entre os dois países é uma goleada em favor dos germânicos. E o esquema do jogo é fartamente conhecido: enquanto Brasil entra com a compra das máquinas e produtos industrializados, exportamos matérias-primas de baixo valor agregado.
A atração do capital alemão para o Brasil sempre foi envolta em um discurso de prosperidade: as empresas aqui instaladas seriam sinônimos do progresso, gerando empregos e desenvolvimento para o país latino-americano.
A versão alemã do livro, publicada em 2016
O livro: Empresas alemãs no Brasil: o 7×1 na economia, do jornalista alemão Christian Russau, que contará com eventos de lançamento no Rio de Janeiro e em São Paulo, revela outro aspecto dessa fotografia e narra o relacionamento entre os dois países a partir de uma história de superexploração do trabalho, violações de direitos, desrespeito aos direitos humanos, destruição ambiental e lucros estratosféricos.
Com uma linguagem clara e munido de farta documentação, Russau revela que empresas alemãs apoiaram e financiaram a prisão, o sequestro e a tortura de sindicalistas durante a ditadura; faturaram com os riscos decorrentes da construção de grandes barragens na Amazônia; beneficiaram-se da extração de minério de ferro no Norte do país; e colaboraram para a poluição do solo e dos rios, e para a intoxicação de trabalhadores, com suas indústrias pesadas.
Com a colaboração de parceiros, sindicatos, movimentos sociais e ONGs no Brasil e na Alemanha, Christian Russau vigia a ação das empresas alemãs e questiona diretamente seus executivos durante as assembleias de acionistas realizadas no país europeu. Sua investigação (versão alemã aqui) demonstra que, se as mazelas da “relação especial” entre Brasil e Alemanha se limitassem a uma goleada histórica no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, o cenário não seria tão trágico. A questão que este livro aborda, no entanto, é outra. Trata-se de expor as faces ocultas de uma relação bilateral vendida como passaporte para o progresso, mas que na realidade aprofunda e pereniza as condições de vida desfavoráveis da maior parte da população brasileira e de seus povos tradicionais.
Como o livro mostra nos primeiros sete capítulos, que são exemplares e de nenhuma forma exaustivos, as empresas estão “goleando” os direitos humanos e a natureza do país. É evidente que as reações “de baixo”, esboçadas em toda a obra, mas especialmente no último capítulo, ainda não são suficientes. E resta saber se teremos condições de virar o jogo.
São Paulo
14 de setembro – 19h
Empresas alemãs no Brasil: o caso Volkswagen
com Christian Russau – autor do livro; Lúcio Bellentani – ex-dirigente sindical da Volkswagen e ex-preso político; e Gonzalo Berrón – Vigências. Mediação: Verena Glass – Fundação Rosa Luxemburgo
Ateliê do Gervásio – Rua Conselheiro Ramalho, 945 – Bela Vista/SP Ateliê do Gervásio – Rua Conselheiro Ramalho, 945 – Bela Vista/SP
Rio de Janeiro
19 de setembro – 18h30
Empresas alemãs no Brasil: o caso TKCSAcom Christian Russau – autor do livro; Diana Aguiar – FASE; Jaci do Nascimento – Liderança de Santa Cruz impactada pela TKCSA; e Sandra Quintela – Instituto PACS. Mediação: Gerhard Dilger – Fundação Rosa Luxemburgo
Auditório do Corecon – Av. Rio Branco, 109 – 19 andar – Centro/RJ
Empresário que ajudou a captar recursos para centros de tortura ganha destaque em livro de 100 anos da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo
Por Christian Russau*
A Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo decidiu homenagear em seu livro de comemoração de 100 anos de existência seu presidente fundador, João Batista Leopoldo Figueiredo, primo do ditador João Batista de Oliveira Figueiredo e tido como um dos empresários que ajudaram a estruturar e financiar centros de tortura estabelecidos no país. A publicação, disponível em destaque no site da entidade, lembra que Figueiredo tornou-se sócio honorário após deixar a direção como uma distinção e em função do “sucesso” de seu trabalho. Não há menções à sua participação na arrecadação de recursos junto à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para financiar a repressão.
Trecho do livro no qual João Batista Leopoldo Figueiredo, presidente fundador da Câmara, é citado como um exemplo de sucesso. Primo do ditador Figueiredo, ele se tornou sócio honorário três anos depois do golpe
O papel de Leopoldo Figueiredo nas coletas organizadas junto ao empresariado é mencionado em reportagem do jornal O Globo, baseada em arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos centros de repressão, revelados pelo Arquivo Público de São Paulo. Suas ligações com a ditadura e papel ativo no golpe de 1964 aparecem até mesmo em texto com sua biografia publicado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas. Destaque para o fato de que, na década de 1960, ele fundou e presidiu o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS), organização que reunia empresários do Rio de Janeiro e de São Paulo e que participou da organização da derrubada da democracia, questão que chegou a ser tema de reportagem da revitsa Fortune na época.
No Brasil, os 100 anos da Câmara Brasil-Alemanha serão comemorados em uma festa de gala na noite de 23 de novembro, uma quarta-feira, em um espaço de luxo na Vila Olímpia, em São Paulo. O ingresso sai por R$ 500,00.
Temer teria cogitado neto para equipe econômica A influência da família Figueiredo no Brasil está longe de ser algo do passado. O neto de Leopoldo Figueiredo, Luiz Fernando Figueiredo, foi diretor do Banco Central durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e, segundo a revista Época Negócios, chegou a ser cotado por Michel Temer para assumir como secretário do Tesouro ou para a presidência do Banco Central logo após a deposição da presidenta Dilma Rousseff. Sócio-diretor da Mauá Capital, gestora de fundos de investimento, recentemente ele deu entrevista ao jornal Valor defendendo, entre outros, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 241, também conhecida como PEC do Fim do Mundo por estabelecer um teto para gastos públicos afetando investimentos em determinadas áreas, com previsão de impacto em políticas sociais. Na entrevista, reproduzida no site do Ministério da Fazenda, ele também argumentou em favor da Reforma da Previdência e na Reforma Trabalhista, mudanças que devem implicar em cortes nas aposentadorias e nos direitos trabalhistas. Leopoldo Figueiredo também atuou na carreira pública no setor financeiro. Antes de participar na organização do golpe e na estruturação de centros de tortura, ele presidiu o Banco do Brasil no começo da década de 1960. Em entrevista em 2009, o neto citou o avô como inspiração e exemplo.
* Christian Russau é jornalista e integrante da Associação de Acionistas Críticos, na Alemanha. Ele esteve na Feira do Livro de Frankfurt para apresentar seu livro sobre impacto de actuação de empresas alemãs no Brasil, editado pela Fundação Rosa Luxemburgo e por medico international.
0 comentários:
Postar um comentário