23 de abr. de 2019

A ciência versus Bolsonaro

Foto: Antonio ScarpinettiLuiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 3aedição, 2018. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização(crisalida.eco.br).

A ciência versus Bolsonaro

   
Ilustração LPSHá muita coisa importante e positiva ocorrendo na luta global para atenuar o colapso ambiental em curso. Além do movimento Fridays for Future que continua ativo, a semana foi marcada pela ação de desobediência civil não violenta do Extinction Rebellion, no Reino Unido. O movimento foi lançado em outubro de 2018 a partir da campanha Rising Up! e está crescendo, conseguiu organizar manifestações de grande impacto nos últimos dias em Londres e é um exemplo do fortalecimento do ambientalismo anticapitalista. Entre os 100 eminentes signatários de seu segundo manifesto estão Noam Chomsky, Naomi Klein, Bill McKibben, William Ripple e Vandana Shiva. Sua ideia central vai ao coração da agenda de nosso tempo: [I] “Se o capitalismo corporativo global continuar a dirigir a economia internacional, uma catástrofe global é inevitável. (...) Devemos coletivamente fazer o que for necessário, de forma não violenta, para persuadir políticos e líderes empresariais a renunciarem à sua complacência e denegação”.
Outro exemplo importante do fortalecimento do ambientalismo político é a humilhação infligida pela comunidade científica, também na semana passada, a Bolsonaro e aos endinheirados que o elegeram. A Brazilian-American Chamber of Commerce (nada a ver com a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, como esta frisa em seu site [II]) nomeou Jair Messias Bolsonaro “Personalidade do Ano”, em “reconhecimento por sua enfática intenção de fortalecer os laços comerciais e diplomáticos entre o Brasil e os EUA”. Tradicionalmente, o espaço que abriga os cerca de mil convidados (ao custo de US$ 30 mil per capita) para o jantar de gala que marca essa cerimônia, prevista para o dia 14 de maio, é o famoso Hall of Ocean Life, do American Museum of Natural History (AMNH) de Nova York. Pela cessão do espaço, o Museu recebe em geral uma polpuda contribuição, importante para a gestão de seu orçamento. 
But... not him! Em 15 de abril, o AMNH fez saber em seu site oficial que prefere abdicar desse recurso. Decidiu que sua sede “não é a locação ideal para o jantar de gala da Brazilian-American Chamber of Commerce”. [III] Em princípio, sua direção postula certa isenção em relação ao perfil ideológico de seus doadores e contratantesEm 2017, por exemplo, ela incluiu em seu Conselho ninguém menos que Rebekah Mercer, uma benemérita do Museu, mas também uma alavanca importante da campanha de Trump e de think tanks como o Heartland Institute e a Heritage Foundation, notórios por sua militância nas hostes do negacionismo climático. A incoerência salta aos olhos, mas há aqui uma óbvia atenuante: se o Museu de História Natural e os Museus em geral só aceitassem dinheiro de corporações e de milionários com um perfil minimamente iluminista, eles morreriam à míngua.
Isso posto, tudo tem limite e acolher Bolsonaro, figura emblemática da ignorância e do desprezo pela ciência, excede todos os limites da dignidade de uma instituição científica. Quando o Museu cedeu seu espaço para o evento ainda não sabia quem seria o homenageado. Tão logo soube, manifestou sua consternação: “Queremos deixar claro que o Museu não convidou o Presidente Bolsonaro. Ele foi convidado como parte de um evento externo. Entretanto, estamos profundamente preocupados com os objetivos afirmados da atual administração brasileira”.  Em resposta a uma indagação da Folha de S.Paulo, a assessoria do AMNH declarou que a homenagem prestada pela Câmara do Comércio não reflete as posições do museu em relação à proteção da Floresta Amazônica. [IV] Por certo, o Museu não tomou a decisão de fechar suas portas a Bolsonaro e a seus milionários sem ouvir o clamor generalizado contra essa gala infame, a começar por uma petição em rede, cujo texto, muito bem elaborado, cita trechos do site do próprio Museu:
“O AMNH é ‘uma das instituições científicas e culturais mais proeminentes do mundo (...) [que] desde a sua fundação em 1869, (...) avançou sua missão global para descobrir, interpretar e disseminar informação sobre culturas humanas, sobre o mundo natural, e do universo através de um vasto programa de pesquisa científica, educação e exposição’. Em oposição direta a esses valores, Jair Bolsonaro e seu governo estão adotando uma forte agenda anticientífica no Brasil, reduzindo o financiamento de pesquisas, ameaçando a educação pública e reduzindo a regulamentação ambiental a um nível sem precedentes na história brasileira. Ao aceitar sediar o evento, o AMNH contradiz seus princípios e seu papel como uma das principais instituições científicas do mundo.”
A campanha política de Jair Bolsonaro foi impulsionada, entre outras questões, por um discurso abertamente anticientífico. Durante a campanha política de 2018 e durante os primeiros cem dias de seu governo, professores, universidades e instituições de pesquisa foram sistematicamente ameaçados e assediados pelo presidente e seus aliados. O governo Bolsonaro reduziu o orçamento federal para Ciência e Tecnologia em 42,27%. Seu governo também elogiou publicamente o fascismo e expressou nostalgia pelo antigo Regime Militar no Brasil: uma tendência preocupante que representa um grande perigo para a liberdade de expressão, um dos principais pilares do desenvolvimento científico da sociedade.
A natureza anticientífica do governo de Bolsonaro está bem representada nas opiniões de seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que afirma que a mudança climática é uma invenção baseada em ideias "marxistas" e "globalistas" e ameaça abandonar o Acordo de Paris. Além disso, o Ministério da Agricultura de Bolsonaro autorizou o uso de 152 novos agrotóxicos, muitos dos quais são proibidos em outras partes do mundo, pois considerados cancerígenos. O governo também transferiu a responsabilidade de regulamentar demarcações de reservas indígenas, políticas ambientais e climáticas, educação ambiental e gestão de recursos hídricos para o Ministério da Agricultura, que trabalha pelos interesses do agronegócio. Essa mudança representa uma ameaça à proteção do ambiente já em perigo, dos direitos humanos e da biodiversidade do Brasil, incluindo a Floresta Amazônica.



[I]Cf. Extinction Rebellion, Wikipedia: “Political leaders worldwide are failing to address the environmental crisis. If global corporate capitalism continues to drive the international economy, global catastrophe is inevitable. (…) We must collectively do whatever's necessary non-violently, to persuade politicians and business leaders to relinquish their complacency and denial”.
[III] Cf. Graham Bowley, “Natural History Museum Will Not Host Gala for Brazil’s President”. The New York Times, 15/IV/2019.
[IV] “Museu de História Natural de NY cancela evento em homenagem a Bolsonaro”. Folha de São Paulo, 15/IV/2019.
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