“O BRASIL ESTÁ DOENTE, MAS EU ESTOU AVANÇANDO”, DIZ ELZA SOARES, QUE LANÇA DISCO

---

DA REDAÇÃO 4P

Publicado em 13 de set de 2019

---

‘Elza Soares: ‘Planeta Fome’ Foto: Ana Branco / Agência O Globo

A cantora Elza Soares conta que não quer cantar em Lisboa. Para ela, o Brasil está “resfriado”, mas diz que não consegue se reconhecer fora daqui. Ela “não quer cantar no terreiro dos outros”. “Quero cantar no meu terreiro”, diz, em entrevista à Folha.

É justamente a conexão dela com o seu país de origem que deu fundamento ao “Planeta Fome”, seu 34º disco, que será lançado nesta sexta-feira, 13. O título do álbum é a famosa resposta que Elza deu a Ary Barroso, quando tinha apenas 13 anos e, com coragem, foi cantar no programa de calouros que ele apresentava na rádio Tupi.

Para ela, o novo álbum vinha sendo concebido desde o episódio de 1953. “Pensava que ‘planeta fome’ era pela fome de comida. Mas cheguei à conclusão de que tenho muito mais fome. De saúde, de respeito, de amor, de um país melhor. Quero continuar, estou com fome.”, afirma.

Diante do contexto político e social atua, a expressão antiga foi resgatada. “Só agora estou vendo que o pessoal está com muita fome. Nos anos 1960, também vi isso. Tenho história para contar, não estou buscando em livro. Achei que aquilo ia passar, mas estou vendo outra vez.”

Depois de “A Mulher do Fim do Mundo”, de 2015, e “Deus é Mulher”, de 2018, um Grammy Latino e quatro anos de turnês e shows pelo Braisl, Elza retorna com a participação de novos colaboradores.

“Fui atrás de gente do país todo, pedi composição para todo mundo. Mas, quando nos encontramos, ela já sabia o que queria”, diz Rafael Ramos, do selo Deck, produtor do novo disco. Em “Deus É Mulher”, a cantora já tinha aumentado sua participação na seleção do repertório. Agora, ela intensifica sua vontade. “Queria fazer algo com meus sonhos, meus desejos. Escolhi o repertório, arranjos, dei pitaco em tudo.”

O novo disco tem músicas inéditas e algumas regravações, incluindo duas músicas de Gonzaguinha, “Comportamento Geral” e “Pequena Memória para um Tempo Sem Memória”, e “Brasis”, de Seu Jorge. Para “Blá Blá Blá”, ela mescla um trecho de “Chega”, de Gabriel O Pensador, com “Me Dê Motivo”, clássico de Tim Maia. A faixa ainda traz versos do rapper BNegão.

A faixa “País do Sonho” foi feita a partir de um vídeo no Facebook. Elza usava a rede social quando assistiu uma gravação ao vivo da música do sambista Chapinha da Vela. “Era um samba normalíssimo, mas ela já tinha dito que, se fosse pra ter samba, era só na alma. Ela disse: ‘Envenena isso aí’”, lembra Ramos. A canção virou um drum and bass com cuíca e guitarra.

Em “Não Tá Mais de Graça”, Elza atualiza um de seus hinos, “A Carne”, música de 2002 cujo refrão diz que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Agora, ela canta que “a carne mais barata do mercado não está mais de graça”. “Eu não valia nada. Hoje, estou valendo uma tonelada”, comemora.

Sobre o processo de relembrar as memórias para sua recente biografia, escrita por Zeca Camargo, ela rejeita completamente a nostalgia. “Saudades do que? Da fome?”.

Não é difícil de compreender. Elza foi mãe aos 13 anos, perdeu um dos filhos para a fome aos 15 e viu ainda as mortes de outros dois, além da de Garrincha, seu marido. A relação com o lendário jogador também teve momentos conturbados.

A cantora carrega o status de mito na música brasileira e de ícone dos movimentos negro e feminista. Quando lançou “A Mulher do Fim do Mundo”, no entanto, ela recebeu críticas pela ausência de mulheres nos bastidores do álbum.

“Ah, deixa o pessoal reclamar. Inclusive, sinto falta disso. Botaram Lexotan na água do povo. Está todo mundo calado”, diz. “Nos anos 1960, eu via muita gente na rua. Chico, Caetano, aquelas composições fortes. Sofreram, claro, por toda a rebeldia. Mas, hoje, está todo mundo com medo de falar. É por isso que uso minha voz, para falar o que se cala.”
http://midia4p.com/o-brasil-esta-doente-mas-eu-estou-avancando-diz-elza-soares-que-lanca-disco/