3 de dez. de 2019

Militar apontado como torturador processa vítima alegando ‘danos morais’Militar apontado como torturador processa vítima alegando ‘danos morais’ - Editor - QUEM GOLPEOU A DEMOCRACIA EM 1964, NÃO FOI O POVO. FORAM FORÇAS QUE ALEGANDO A COMUNIZAÇÃO DO PAÍS, COM 99% DE CATÓLICOS , IMPLANTARAM UMA DITADURA FERRENHA.


Militar apontado como torturador processa vítima alegando ‘danos morais’

Espedito Ostrovski processa jornalista e Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu depois de ser confrontado pela neta sobre uma publicação contando sua participação em torturas
Mário Expedito Ostrovski. Foto: OSFI/divulgação
Jornal GGN – Quem conhece hoje o advogado Mario Espedito Ostrovski, 72 anos, membro do Rotary Club, Conselheiro da OAB de Foz do Iguaçu e ex-conselheiro fiscal da Associação Comercial e Empresarial do município da tríplice fronteira, não imagina que o ex-tenente é acusado de ter comandado sessões de tortura no 34º Batalhão de Infantaria do Exército, nos anos da Ditadura Militar no Brasil.
Seu nome foi citado por pelo menos quatro ex-presos políticos durante Audiência Pública da Comissão Nacional da Verdade, em 2013, entre eles a professora Izabel Fávero que relatou um dos casos que mais impactaram a opinião pública. Sabendo que estava grávida de dois meses, Espedito lhe aplicou choques, alternados a sessões de espancamentos, até levá-la a um aborto.
Outra vítima das sessões de tortura de Espedito foi o jornalista Aluízio Palmar que, em 2005, remontou as cenas das agressões que sofreu no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” (Editora Almeida).
As primeiras denúncias públicas contra Espedito Ostrovski, entretanto, são do final da Ditadura Militar, em 1985, publicadas nos arquivos do “Projeto Brasil Nunca Mais”, promovido por Dom Paulo Evaristo Arns, Rabino Henry Sobel e pelo Pastor presbiteriano Jaime Wright, para que as atrocidades dos anos de chumbo fossem expostas e, dessa forma, proteger o Brasil de um novo regime autoritário.
Ainda em 1985, as acusações contra Ostrovski foram matéria de capa do Correio de Notícias, de Curitiba, levando o então governador do Paraná, José Richa, anunciar a sua exoneração da chefia da Assessoria de Segurança e Informações da Copel.
Décadas mais tarde, em junho de 2013, Mario Espedito Ostrovski foi alvo de uma ação de escracho, em frente ao prédio onde trabalha como advogado, em Foz do Iguaçu.
O ato foi liderado por jovens com o apoio do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), presidido na ocasião por Aluizio Palmar. “Fizemos então essa denúncia em forma de protestos para expor à todas as pessoas que esse homem, membro da Ordem dos Advogados do Brasil, ‘dócil’, na verdade é um torturador que cometeu crimes no 34º Batalhão de Infantaria do Exército. E como todo criminoso deve ser julgado”, relatou na época o jornalista e escritor.
Escracho em frente ao prédio onde fica o escritório de Espedito Ostrovski. Foto de 2013
Antes do escracho, Ostrovski havia sido intimado duas vezes para comparecer à Audiência da Comissão Nacional da Verdade mas, assim que recebeu as convocações, fugiu para o Paraguai.
A CNV chegou a abrir, no Departamento da Polícia Federal, um inquérito contra Ostrovski pelo crime de desobediência, por ter se recusado a comparecer nas audiências sem apresentar justificativas. A Comissão ainda fez um pedido de condução coercitiva contra ele e outros agentes, negado pelo juiz federal Edilberto Barbosa Clementino, da 3ª Vara Criminal Federal de Foz do Iguaçu.
No dia do escracho, entretanto, o ex-tenente já estava de volta ao Brasil, como registrado em um boletim de ocorrência feito por um estudante na 6ª Subdivisão Policial (SPD) de Foz do Iguaçu. “Enquanto colávamos um cartaz na Avenida Brasil, uma senhora chegou e perguntou o que era. Eu expliquei que se tratava de uma denúncia contra torturadores. Então ela arrancou o cartaz da minha mão e me agrediu com um soco no rosto. Nisso um senhor me segurou pelo braço e roubou os cartazes. Posteriormente fiquei sabendo que se tratava da filha do Espedito e do próprio Espedito”, narrou o jovem à Polícia Civil.
Em junho deste ano, Aluízio Palmar publicou na página do Centro de Direitos Humanos de Memória Popular, Facebook, um texto marcando os seis anos que saíram às ruas para escrachar o ex-torturador.
Desta vez, Ostrovski se sentiu à vontade para processar o jornalista e o coletivo, pedindo uma indenização de R$ 39.920,00 por “dano moral”.
Na ação, aberta no 2º Juizado Especial Cível de Foz do Iguaçu, o ex-tenente conta que, no dia 29 de junho de 2019, “recebeu uma ligação de sua neta”, adolescente de 15 anos, dizendo que havia lido na rede social a nota sobre o escracho e que ela foi questionada por colegas de escola se Mario Espedito Ostrovski era seu parente.
“Ainda ao longo deste dia, vários clientes lhe telefonaram, bem como amigos informando a situação que havia sido exposto e ainda querendo explicações se havia o autor sido condenado criminalmente por essas barbáries relatadas no post”, escreveu seu advogado na ação.
Ostrovski afirma ainda que a publicação no Facebook, marcando um ano do escracho, “atingiu a honra, a família, o trabalho.”
Aluizio Palmar disse ao GGN que não se intimida com o processo: “Finalmente vou poder me confrontar com esse cara na Justiça. Esperei 40 anos por esse momento”.

Sobre a honra de outra família

Eram mais ou menos 2 de manhã do dia 5 de maio de 1970 quando agentes do DOPS do Paraná, da 5ª Companhia de Polícia do Exército do 1º Batalhão de Fronteira de Foz, comandados pelo capitão Fernando José Vasconcelos Krieger, invadiram uma casa humilde de Nova Aurora, município localizado no oeste do Paraná.
A ação mobilizou cerca de 700 homens para sufocar o que eles esperavam que fosse um braço estruturado da VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), movimento que tentou derrubar a ditadura militar no Brasil. Porém, o que eles encontraram foram quatro pessoas: Luiz André Fávero e sua esposa Izabel Fávero, grávida de dois meses, e seus pais idosos.
No segundo dia, os militares concluíram os serviços da maga-operação prendendo o restante do movimento: outros cinco jovens.
“Durante os primeiros dias, nós ficamos unicamente nas mãos do [capitão Júlio Roberto] Cerdá [Mendes] e do Espedito [Ostrovski]. O prazer deles era torturar um frente ao outro e dizer: ‘olhe, sua vadia, ó ele está apanhando por culpa sua que você não quer colaborar’. Era um jogo de tortura psicológica, física, pra desestabilizar a gente”, relembrou Izabel Fávero durante seu depoimento para a Comissão Nacional da Verdade, em abril de 2013.
As torturas, entretanto, começaram ainda na casa dos sogros. “Nessa noite, eles prenderam também meu sogro e minha sogra, já idosos. Meu sogro ficou algemado a uma árvore, minha sogra ficou na sala, também algemada, e aí… [pausa, voz embargada], não tinha luz na fazenda, não tinha nem na casa, então eles acenderam um monte de candeeiros, velas, e ameaçaram incendiar a casa com a gente lá dentro”, disse Izabel.
“[Ainda em casa], fomos torturados, um em frente ao outro. Eles tinham uma máquina de choque, que chamavam de ‘Maricota’, aí batiam na gente com toalhas molhadas. Tinha um alicate, beliscavam a gente no corpo, e meu marido, eles levaram, jogaram ele no córrego que tinha ao lado de casa, deram choques elétricos, dentro do córrego, ele ficou com traumas o resto da vida, ele teve problemas urinários que tratou a vida toda”, contou a professora.
Ao amanhecer, o casal foi levado para o Batalhão da Fronteira, reunidos com os outros cinco companheiros presos. Izabel contou que o marido fez um apelo aos militares: “por favor, não façam nada com ela, podem me torturar, mas ela está grávida”. “Eles riam, debochavam”, relatou.
“Eu certamente abortei por conta dos choques que eu tive nos primeiros dias, nos órgãos genitais, nos seios, ponta dos dedos, atrás das orelhas (…) Eu não me lembro bem se [foi] no terceiro, quarto dia, que eu entrei em processo de aborto. Eu sangrava muito. [Como] não tinha como me proteger, usava papel higiênico, e já tinha mal cheiro, eu estava suja. Acho que, acho não eu tenho quase certeza, que não fui estuprada, porque eu era constantemente ameaçada [de ser violentada], porque eles tinham nojo de mim”.
Alguns dias depois, Izabel foi transferida para o presídio comum feminino de Piraquara. “Eu fiquei presa com assassinas, latrocidas, mas eu diria que elas tiveram muito mais decência do que o poder constituído [da Ditadura Militar], que me colocou lá, porque fui respeitada e aprendi bastante, inclusive, nessa passagem”.
Izabel Fáverl durante depoimento à CVN, na Câmara dos Vereadores em Foz do Iguaçu. Foto de 2013

Um grande homem, uma grande mulher e a VAR-Palmares

“Nós somos gaúchos. Começamos a militar no movimento estudantil. Luiz André foi inicialmente presidente da União Caxiense de Estudantes Secundaristas (Uces) e logo se tornou presidente da União Gaúcha de Estudantes Secundários”, contou Izabel na CNV.
Segundo seu depoimento, a decisão de irem para o Paraná havia sido da direção regional da VAR. O movimento estudava a possibilidade de montar uma base de resistência à Ditadura Militar no Oeste do estado, o que acabou nunca acontecendo.
“Meu sogro tinha ali [em Nova Aurora] uma pequena fazenda, e vimos que ali era um lugar estratégico onde, inicialmente, a gente contaria com o apoio deles e, em seguida, a VAR viria a suprir nossas necessidades”.
Os dias se passaram, e eles ficaram sem receber contato de alguém do movimento. “A organização não fazia contato conosco, e diante disso nós tivemos que sair da clandestinidade, trabalhar para sobreviver, e isso foi muito bom, foi muito importante, porque o que fizemos na legalidade foi um trabalho de educação e isso ficou até hoje”, contou. Izabel e o marido reabriram uma escola primária em Nova Aurora.
“[Junto com esse trabalho] a gente foi compartilhando nossos ideais, nossa visão de uma sociedade melhor e eles [pais dos alunos] foram simpatizando conosco, nos dando um amplo apoio. Não sabiam qual era nossa missão [original]”, contou. Paralela a essas atividades, aos sábados e domingos, o casal atuava na alfabetização de adultos.
“Na nossa avaliação geral, dificilmente nós seríamos encontrados ali onde
estávamos, porque é um fim de mundo, literalmente. Só que, o que a gente não sabia, era que a ditadura já tinha cercado e minado praticamente todas as organizações políticas. Quando a gente veio a cair, a ser presos, nós fomos dos últimos praticamente dentro da VAR. Eu diria que, quando eles chegaram até a gente, a VAR-Palmares estava já praticamente desmantelada”, avaliou.
Em 1972, Izabel e Luiz André Fávero foram libertos durante uma troca de presos políticos e se refugiaram no Chile, até o golpe de Estado naquele país, no ano seguinte. Sob o regime do ditador Augusto Pinochet, o casal foi novamente perseguido até encontrar refúgio na França, de onde saíram somente após a Lei da Anistia. No exílio, tiveram dois filhos.
Luiz André faleceu em janeiro de 2011, vítima de complicações durante uma cirurgia para retirada de um tumor. “Ele foi um grande combatente, por quem eu tenho muita admiração e tive uma trajetória de mais de 40 anos de vida”, ressaltou Izabel.
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