10 de dez. de 2019

REFORMAS QUEREM BARATEAR PREÇO DA MÃO DE OBRA. - Editor - É A VOLTA TRIUNFANTE, PARA AS ELITES, A ESCRAVIDÃO SÉCULO XXI. O QUE INTRIGA, É QUE MUITA GENTE QUE VAI SER REESCRAVIZADA, APLAUDE ESSE DESGOVERNO.


REFORMAS QUEREM BARATEAR PREÇO DA MÃO DE OBRA
 
Furar a bolha do mercado financeiro, onde trabalhou como analista por vários anos, e partir para conhecer uma realidade social bem diferente da que estava habituado foi um longo e difícil processo que mudou completamente a vida do economista e ex-banqueiro Eduardo Moreira. “Eu comecei a nutrir um Eduardo lado B. Que era um Eduardo de contato com gente, de ouvir histórias, de viajar, palestrar. Foi o primeiro furo que eu fiz na bolha”. Perdeu a amizade de muita gente, foi duramente criticado pelos economistas que gravitam na órbita dos bancos, mas ganhou novos amigos e parceiros. Hoje, certamente, é um dos mais ativos economistas de oposição ao governo, com críticas às reformas e ao desmonte do Estado brasileiro.

A Por Sinal conversou com Eduardo no seu escritório em São Paulo, local de passagem do economista, sempre viajando pelo Brasil profundo para dar palestras ou para conhecer de perto como vive a população mais pobre do país. Perguntado sobre as reformas da Previdência, trabalhista e administrativa, o economista disse não ter nenhuma dúvida de que, no fundo, todas elas foram feitas para reduzir o custo da mão de obra.

Flavia Cavalcanti






• Para esta edição estamos produzindo matérias sobre o impacto da reforma da previdência, da reforma trabalhista e da futura reforma administrativa. E o que vemos, depois de várias conversas, é que, em todas elas, ao contrario do discurso do governo, os mais pobres são os grandes prejudicados. O Estado de bem-estar social vem sendo desmontado de forma muito rápida, e isso é perigoso.

Gosto de ver as coisas de uma forma mais simples, para poder, primeiro, dar sentido a elas. Vejo todas essas reformas que estão acontecendo como reformas que tornam a mão de obra mais barata. Quando você faz um reforma trabalhista, está diminuindo a possibilidade de os trabalhadores se juntarem e negociarem em conjunto, e ampliando as formas como eles devem trabalhar. Por exemplo, ampliando a lei que permite o trabalho intermitente, o trabalho em horários diversos, em lugares diversos, a terceirização. Quando existe mais oferta de algum produto, com uma demanda relativamente constante, o preço desse produto cai. A reforma trabalhista nada mais é do que uma reforma para fazer o preço da mão de obra cair.
No caso da reforma da Previdência, a mesma coisa. Você está fazendo as pessoas trabalharem até o fim da vida porque a aposentadoria que vão receber não é suficientemente poderosa para bancar os seus custos mínimos de vida ou porque, simplesmente, eles não vão atender os requisitos para ter o tempo mínimo necessário para se aposentar. Logo, estão fazendo com que as pessoas trabalhem até o fim da vida delas. São mais pessoas que terão que trabalhar, mais oferta e, portanto, o preço cai.
Ou seja, todas essas reformas vêm com um sentido de fazer com que o preço da mão de obra, que para o grande empresário é mais uma das variáveis que ele tem que baixar, caia.
 
• E no caso da reforma administrativa?
Quando se faz uma reforma do Estado, como a reforma administrativa, e tenta diminuir o tamanho do Estado, o que é que está se fazendo? Nesse caso, o impacto da diminuição da mão de obra não é direto, é indireto. Porque está se tirando um monte de gente que trabalha em condições que o Estado pode controlar e jogando essas pessoas no mercado, aumentando a oferta. E isso é relevante! São 12 milhões de servidores na ativa, somando civis, funcionários de estatais, militares, nas esferas municipal, estadual e federal. Então, quando você diminui o tamanho do Estado, aumenta, também, a oferta de pessoas na iniciativa privada, reduzindo, com isso, o custo da mão de obra.

Mas, na reforma administrativa existe outro interesse, que é o seguinte: o Estado é um redistribuidor de riqueza. O Estado não é uma pessoa, como alguns pensam, no sentido de que “o Estado gasta muito”, “o Estado economiza”. O Estado não gasta nem economiza. Ele escolhe de quem vai tirar, quanto tira, e para quem vai dar. E tem uma coisa a mais, que é importantíssima. O legado que fica pelo caminho. Porque ele pode dar dinheiro para as pessoas simplesmente, ou pode dar dinheiro contratando-as para fazerem algum tipo de serviço, ou produzindo alguma coisa.
 
• Obras que ficam, por exemplo.
 
Isso! O que fica é o legado que serve para alavancar a próxima fase do crescimento. O que é que acontece? Quando você tem um Estado menor, essa redistribuição passa para a mão da iniciativa privada. E a iniciativa privada é dez vezes, cem vezes mais acumuladora do que o Estado.
As pessoas falam que o Estado paga muito a algumas pessoas e paga pouco a outras. Realmente, existem coisas que podem melhorar. Injustiças, desigualdade nos salários. Por exemplo, entre um juiz e um enfermeiro do SUS. Agora, olha as desigualdades que existem no setor privado. Acabou de sair a Forbes com as 200 pessoas mais ricas.
 
• Em alguma das suas palestras, você falou do tamanho dessa desigualdade, comparando o que o Estado gasta com os 12 milhões de servidores e o que os 200 mais ricos do país ganham. Fale desses dados, são impressionantes.
 
Segundo a Forbes, as 200 pessoas mais ricas do Brasil ganharam, no ano passado, R$ 230 bilhões. E elas acumulam R$ 1 trilhão e 300 bilhões de reais. Isso só a parte que está declarada no Brasil.. No caso do setor público, 12 milhões de servidores da ativa receberam, no ano passado, pouco mais de R$ 700 bilhões. Ou seja, são 60 mil vezes mais pessoas recebendo três vezes mais dinheiro! E você diz que o Estado é o gerador de desigualdade? Que o Estado é que faz acumular e não a iniciativa privada?

O que temos que entender é o seguinte. Se essas pessoas, as mais ricas do país, aumentaram seu patrimônio, de 2012 até para cá, de R$ 300 bilhões para R$1 trilhão e 300, e o PIB brasileiro real caiu nesse mesmo período, esse dinheiro deve ter vindo de algum lugar. Porque dinheiro não aparece em árvore, não aparece no ar. De quem é que veio? Veio da classe média e da classe pobre brasileira, que empobreceu demais ao longo dos últimos sete anos, no Brasil. Essas reformas todas tentam consolidar o processo de precarização da mão de obra, que está completamente na mão, em termos de negociação de preços, das pessoas que têm o poder econômico no Brasil.
 
• Qual é a lógica disso? Quando se diminui o custo de mão de obra, diminui a demanda. E o que gera crescimento real é a demanda. A quem interessa essa desigualdade? A própria China, que é um país comunista, já rompeu essa lógica há muito tempo.
 
Há dois motivos principais, na minha visão. O primeiro é a cobrança dos resultados no curto prazo dos acionistas. Hoje em dia, as pessoas que tocam as empresas são remuneradas com stock options, com phantom stocks, com bônus, de acordo com os resultados que eles entregam no ano, e, algumas vezes, até nos resultados semestrais.

Quando a remuneração dos executivos da empresa está completamente atrelada aos resultados de curtíssimo prazo, você não pensa mais em planejamento. Não pensa no que isso está gerando de impacto estrutural, sistêmico, no longo prazo. Não pensa, também, que vai ficar sem consumidor lá na frente. Só pensa no que vai garantir o seu próximo bônus. Até porque, você não sabe se daqui a dois anos vai continuar como CEO daquela empresa, com direito a esse modelo de remuneração. O curto prazo, hoje em dia, é absoluto e soberano nas empresas, por causa da remuneração dos seus executivos.
 
• E o segundo motivo?

O segundo grande motivo é o seguinte. Temos um pensamento falacioso que imagina que as pessoas estão querendo maximizar as relações de riqueza e de dinheiro. Não é verdade. Não vemos os donos das principais empresas do Brasil, dos principais conglomerados, dos principais bancos, querendo otimizar a relação de riqueza. Eles estão querendo otimizar a relação de poder. Então, muitas vezes, num país extremamente desigual como o Brasil, você entende que não está gerando o máximo de riqueza que poderia para o país, mas, com certeza, está exercendo o máximo de poder. Isto porque, na medida em que se reduz a desigualdade, você impulsiona o crescimento e diminui a concentração de poder. Porque menos desigualdade é menos concentração de poder.
Essas pessoas, hoje em dia, têm o poder de direcionar o crescimento para aonde quiserem. E vão sempre direcioná-lo para aquele caminho com menos atrito para eles, em todos os sentidos. Menos atrito para aprovar, por exemplo, uma obra ambiental que tem um impacto ambiental enorme. Ou para aprovar um novo modelo de tributação, aprovar incentivos. Isso é uma questão de poder. E esse poder, eles têm hoje.

Então quando se pega o exemplo da China, o que é que ela tem de especial hoje? Ela tem o Estado induzindo crescimento. Então o Estado aponta: “Olha, nós vamos crescer para lá, naquela direção, e são essas coisas que o país precisa para poder ter crescimento grande”. E o mercado é o responsável pela inovação.

A competição que se gera é o risco tomado para fazer com que as coisas acelerem, mas acelerem na direção correta. Tem uma frase, em inglês, que diz: “Não adianta remar mais rápido se o barco está apontado na direção errada”. O que o Estado chinês faz é apontar o barco para a direção rápida. E o mercado faz o pessoal remar mais rápido.
 
• Mas, e no Brasil, em que direção anda o barco? Como funciona?
 
No Brasil, temos o Estado apontando o barco para a direção errada. Porque ele é representado hoje em dia, sem intermediários, por banqueiros e donos de empresas. São os donos do país. Antigamente, eles tinham intermediários, os políticos. Hoje em dia, nem os políticos mais eles têm. Se você for olhar quem está ocupando os cargos de ministros, presidentes de bancos públicos, vai ver que são todos ex-banqueiros. Às vezes até banqueiros. E para aonde eles apontam o barco? Para onde podem maximizar os ganhos de curto prazo das suas empresas. Que vão gerar bônus altos, stock options altos. Por isso a necessidade de ter o Estado induzindo.
 
• Mas esse modelo dos bancos no centro do poder não é brasileiro.
 
Isso começa na década de 1980. Antes disso, o pensamento neoliberal ganhou muita importância no mundo. Principalmente quando os banqueiros suecos financiam o Prêmio Nobel, fazem lobby para terem o Prêmio Nobel de Economia, e esses prêmios são entregues aos pensadores neoliberais. Depois vem o teste no Chile, do modelo funcionando na ditadura de Pinochet, e quando eles acertam os ponteiros lá, vem a implementação disso com o Reagan e Tatcher ao mesmo tempo, ali no começo dos anos 1980.
A Academia é comprada com esse novo ideal, os think tanks que se formam são quase todos neoliberais. É quando começa a ter a hegemonia do pensamento neoliberal, tanto na academia, como nas principais potências capitalistas do mundo. É quando esse pensamento começa a virar verdade. E começa a virar verdade que o Estado atrapalha e que a carga tributária é muito alta.
A carga tributária brasileira é 32% do PIB. O que é que quer dizer isso? Porque as pessoas falam que “a gente perde 32% do PIB em carga tributária”. Carga tributária só quer dizer o seguinte: do que produzimos de riqueza do país, pegamos um terço e redistribuímos. É só isso. Não desaparece nenhum centavo. Um terço do que produzimos de riqueza no país, o governo pega, e fala assim: “Isso aqui eu vou redistribuir entre as pessoas”.
 
• Falam tanto da carta tributária alta, mas quem paga mais são os pobres, via consumo.
 
Sim, quem paga impostos sobre consumo são os pobres, quem recebe os impostos, através dos juros, são os ricos! Vocês gostaram daquele dado de desigualdade dos 12 milhões de servidores, não? Tem um pior ainda. Quando as pessoas dizem que a carga tributária no Brasil é alta e que o maior gasto é o da Previdência, eu respondo que a Previdência atende 30 milhões de pessoas. Ou seja, um bom pedaço do dinheiro que você está pegando no Brasil, através da carga tributária, você está redistribuindo, apesar de que essa redistribuição poderia ser muito melhor, muito mais justa. Mas, pelo menos, você tem 30 milhões de assistidos. Se você somar os 12 milhões de ativos, você tem quase 50 milhões de pessoas que recebem de volta esses impostos!

Então não é aqui que está acontecendo a concentração de renda no país. Não é daqui que surge a desigualdade. Alguns dizem que o Estado é o maior gerador de desigualdade no Brasil. Não é. Ele arrecada os impostos e distribui para, pelo menos, 50 milhões de pessoas. E deixando obras como legado.

No caso de uma empresa de telefonia que é privatizada, o que acontece? Aquela empresa de telefonia, como era do Estado, agia também como redistribuidora de riqueza. Ela cobra do consumidor a tarifa de telefonia, pega esse dinheiro e dá para as pessoas que trabalham para a empresa. E deixa um legado, que é um monte de linhas telefônicas. E quando é privatizada? Passa a ser mais um instrumento concentrador de riqueza, que pega o dinheiro dos consumidores e deixa quase todo nas mãos de meia dúzia de donos.
Qual deve ser a luta? Algumas perguntas são legítimas de se fazer. Esse negócio é moderno o suficiente? O processo que está sendo utilizado é o melhor? Estamos escolhendo bem os funcionários? Mas não faz sentido dizer que a privatização melhora a redistribuição de renda. Você tira essa empresa que é do Estado, ou seja, que pega dinheiro das pessoas e devolve para elas mesmas, e põe no lugar uma empresa privada que pega das pessoas e fica com um dono só. Isso não tem lógica matemática!

 
• Você falou na direção do barco, e que o Estado tem que apontar. No entanto, para o governo apontar a direção do barco, ele precisa investir nessa direção, precisa de dinheiro. Segundo consta, estamos com uma crise fiscal enorme, o governo diminuiu mais de 80% dos gastos obrigatórios e não tem margem para apontar a direção do barco. Qual a solução para isso?
 
Vivemos a execução de um plano que foi muito bem arquitetado e que começa com a emenda constitucional 95, o Teto de Gastos. O país, qualquer país, tem que gerar nova riqueza, porque para viver se consome riqueza. E, para gerar riqueza, temos que investir. Nenhuma riqueza aparece do nada. Você faz um investimento e esse investimento implica num risco e o risco, quando é transpassado, gera um retorno. Esse é o processo econômico: investimento, risco e retorno. E aí, o governo chega e fala que o poder público, durante 20 anos, não pode mais investir. Porque a emenda constitucional, na prática, é não poder investir. Não é um teto de gastos, é um teto de investimentos. Se fosse teto de gastos, incluía juros também.

Uma coisa que eu acho absolutamente absurda é como os juros são tratados no Brasil. Tem algum lugar, na Constituição Federal, que diz que a despesa com juros é mais importante que qualquer outra despesa? Não existe. Mas, na prática, temos superávit primário, a gente já faz a conta dizendo receita menos despesa, excluindo os juros. Em juros, eles não mexem. Isso é sagrado! Superávit primário é isso. Teto dos gastos é o limite dos gastos. Menos com os juros.

 
• A taxa Selic está baixa, mas lá na ponta os juros estão altíssimos, 200, 300%. Por que isso?
Para não deixar que as pessoas que produzem a riqueza, no Brasil, passem a ter acesso à máquina, ao capital. Você é um cara que produz camisa e faz tudo na empresa -- opera a máquina de produzir camisa, monta, tira a camisa, corta a camisa. Só que você não tem dinheiro para ter a máquina que faz a camisa. Então você ganha mil reais por mês e o dono da empresa ganha cem mil reais por mês. Essa rentabilidade que ele tem é mais ou menos 5% em relação ao que custa a máquina. Se você é o cara que sabe fazer tudo isso, e consegue pegar dinheiro emprestado a 1%, o que é que você faz? Você vai comprar uma máquina de camisa e você vai trabalhar para você mesmo. E o cara que é o dono da máquina de camisa vai ficar desesperado, porque ele não sabe nem o que é uma camisa, um botão.

Como é que se impede que as pessoas que fazem o verdadeiro trabalho, no Brasil, passem a ser donas do capital? Criando um fosso entre os dois. Tornando o custo do dinheiro para financiar a compra do capital maior do que o retorno que esse capital dá. Enquanto o custo do financiamento do capital for maior que o retorno do capital, ninguém nunca cruza essa linha. E você continua dependente, para sempre, daqueles que são donos do capital. Esse é o principal motivo de você ter juros tão altos, na ponta, no Brasil.
 
Mas aí a iniciativa privada percebe que colocou o país de joelhos e fala que pode salvar o país, que pode investir. Só que com as suas condições. E aí coloca o país de joelhos, como refém, e começa a fazer suas exigências. Reforma trabalhista, reforma da Previdência. Isso tudo é exigência do setor privado.

O mais triste é que a gente vê entrevistas com gente andando na Paulista, pessoas de classe média baixa, trabalhadores, daqueles que pegam o ônibus 4 horas da manhã, você vê no rosto a pele cansada de trabalho, e o cara se diz a favor da reforma da Previdência, porque disseram que só assim é que vão gerar novos empregos. É um refém mesmo! Ele está com uma arma apontada na cabeça, estão dizendo que ele só tem uma opção!

E depois de fazer todas as reformas, a tributária, que vai só simplificar e não fazer justiça fiscal, e a administrativa, vocês sabem o que vai acontecer? O ministro Paulo Guedes libera a emenda constitucional 95 e diz que o país vai voltar a crescer e gerar riqueza porque o Estado vai investir. Só que -- e aí vem o grande detalhe do plano do governo -- essa riqueza não vai mais transbordar para as camadas mais pobres. Porque já passou reforma trabalhista, a reforma da Previdência, a reforma tributária...
 
• Ou seja, os diretos sociais todos já se foram!
É isso. Está se fazendo um arcabouço de medidas para, quando o país voltar a crescer, o ganho vai ficar com os de sempre. Este plano começa com a emenda constitucional 95 e termina abrindo mão da emenda constitucional 95. É esse o plano, um arco.
 
• E o pior de tudo é isso é que quando crescer, vão dizer que foi em função da reforma tributária, da reforma da Previdência. A história é contada pelos vencedores, não?
 
Ainda é difícil prever a história que o ministro vai contar. O fato é que todo ganho que for gerado não vai transbordar. E por que é que normalmente ele transborda? Porque quando os trabalhadores têm direito de associação eles podem pressionar, podem combinar e entrar em greve. Porque está se gerando riqueza e eles querem a sua fatia dessa riqueza. Agora não se pode mais isso. Não há mais sindicatos bem estruturados, fortes.
 
• A reforma sindical que também vem aí é uma forma de desestruturar tudo.
 
Mas é claro! Está no Mein Kampf, o livro do Hitler! Um dos capítulos do livro diz: mine os sindicatos. Assim é em qualquer instrumento de dominação, de poder. Enfraquecer as associações.


• Mas quero insistir para entender melhor a sua análise. Como se pode retomar o crescimento num país com mais de 12 milhões de desempregados e não sei quantos milhões de subutilizados e desalentados, em meio a uma forte situação econômica, com a indústria parada e com capacidade ociosa? Isso quer dizer que a acumulação da riqueza, onde ela é gerada, é apenas via capital financeiro?
 
As pessoas confundem muito, pensam em termos de dinheiro e não em termos de riqueza. Daí a confusão. No Brasil, vivemos um ciclo, no qual o Estado se endivida para fazer alguns investimentos. Cada vez é um tipo de investimento diferente: ou nas estatais, ou grandes estradas, portos, ou infraestrutura. E quando o Estado faz essas coisas, ele gera crescimento.

Vale a pena lembrar. De 1930 a 1980, o Brasil viveu um milagre econômico. Cresceu mais de 7% de média ao ano, porque fez muitas obras públicas para gerar riqueza. Só que essas obras beneficiaram os grupos que emprestaram dinheiro para o Estado. O dinheiro sempre vem de alguém. A energia elétrica vai até a fábrica do cara, vai até o bairro nobre. Não vai até a periferia, não vai até a favela. O aeroporto é para fazer com que as pessoas ricas viajem. Então esse endividamento já é um endividamento que só atende às pessoas mais ricas.

E essa dívida vai crescendo, vai crescendo e chega num ponto em que o Estado tem que cobrar mais impostos para poder bancar esse negócio. Só que, como quem manda no Estado são as pessoas mais ricas, elas impõem condições e falam para o governo o seguinte: “Olha, você vai ter que arrecadar esse dinheiro para pagar os juros da dívida, mas eu vou lhe dizer de quem arrecadar. Você não vai pegar de mim”.

E aí são criadas leis para se arrecadar o dinheiro, principalmente das pessoas mais pobres, e aliviar as mais ricas. O Brasil -- está no site oficial do Ministério da Economia -- é o país que menos cobra impostos dos mais ricos no mundo. De todos os países estudados. Entrem no site e vejam. E o que acontece? O governo começa a tirar dinheiro das pessoas mais pobres para pagar os juros dessa dívida que só construiu coisas para os mais ricos. Com isso começa a haver um processo de transferência de riqueza sem geração de nova riqueza. É só transferência. E é só a riqueza que se tem de estoque, riqueza existente. Mas chega uma hora em que essa riqueza existente acaba. E, quando ela acaba, os mais ricos falam que não têm mais de quem tirar. E que é preciso gerar mais riqueza, mas o Estado não tem como investir, está todo endividado, e diz que o grande problema do Estado é seu endividamento. E que, para quitar essas dívidas, o governo tem que abrir o cofre e vender tudo.

 
• E volta o mote das privatizações, a busca da eficiência. O Estado tem certa ineficiência, é verdade, um grande número de empresas estatais meio de fachada, que não geram nada de riqueza. Mas não é o caso das grandes, dos Correios, da Petrobras.
O governo começa a pegar tudo aquilo que foi construído com o dinheiro de todos, e guardado com o dinheiro de todos, e passa para a mão de meia dúzia de pessoas. A conversa é sempre igual. Lembram, há 25 anos, do Maluf, Brizola e Delfim Neto discutindo a privatização da Vale? O Delfim foi claro: “Temos que matar esse monstro da dívida. Vamos privatizar a Vale para matar”. É igualzinho, não muda nada, nem uma vírgula. O problema é que o governo privatiza e não mata a dívida. Porque a dívida é a mão invisível das pessoas mais ricas. Não é a do Adam Smith. A dívida é a mão invisível que tira dos mais pobres para os mais ricos, sem ninguém perceber. Aí se faz essa privatização toda e a dívida continua crescendo, num ritmo ainda maior.

Eu quero que as pessoas se convençam de que o Estado da forma como esta estruturado hoje no Brasil serve como uma via, um canal, um caminho, para tirar recursos do bem comum, e dar esses recursos para os mais ricos, sem que as pessoas percebam isso. É quase uma lavanderia de dinheiro dos mais pobres para os mais ricos, só que, como passa por esse mecanismo todo que eu expliquei antes, ninguém percebe mesmo. E quem vira o culpado? O discurso mais ouvido é que é o Estado, os políticos corruptos. Mas na lista dos 200 mais ricos do Brasil só três são políticos. É claro que há um monte de políticos corruptos, que roubam dinheiro, e isso é um absurdo. Mas eles são fichinha perto dos outros que ganham muito mais nessa estrutura. Quem ganha dinheiro com essa estrutura pesada é quem se apropria desse mecanismo!


• As privatizações resolvem o problema de caixa do governo?
Depois das privatizações, chegamos ao ponto em que não se tem mais nenhuma riqueza para redistribuir. Então o que é que acontece? O investidor sabe que é preciso criar riqueza no país, mas quer moleza. E aí o governo, para ele não ter risco ao investir, oferece incentivo fiscal, subsídio, diminui o imposto de renda, pessoa física, pessoa jurídica. Aí ele investe, gera um pouco de riqueza. E o país tem um surto de crescimento, um voo de galinha.

São ciclos de crescimento curto. Porque você pode ver que mesmo quando o Brasil cresceu mais de 10% ao ano, na época da ditadura militar, sempre tivemos crescimento com concentração. Nunca foi redistribuição.
 
• No governo militar o lema era primeiro o país cresce e depois distribui. Nunca distribuiu. E no governo Lula, o que aconteceu? Fala-se que o Bolsa Família transferiu renda, mas que foi a política de valorização do salário mínimo que de fato distribuiu a renda. Você concorda?
 
E o que é que aconteceu com a economia, quando ele começou a fazer isso? Ela cresceu. Começou a crescer muito. E o que é que aconteceu com o balanço de poder? Começou a ser dividido, começou a incomodar. E aí surgem alguns problemas, você entra numa questão política também.

No caso do Fernando Henrique Cardoso, ele, com três partidos, PSDB, DEM e PMDB, conseguia ter maioria simples, e com quatro, maioria absoluta (2/3). Quando ele precisava de maioria absoluta, era só colocar mais um partido. No seu segundo governo, já eram quatro para maioria simples e seis para maioria absoluta. No primeiro governo Dilma, eu acho que eram dez e doze. No segundo, para ela ter maioria absoluta, eram necessários vinte partidos! E aí essa história de negociar com o “Centrão” vira um caos no país.

 
 Esse projeto econômico, que hoje está em pleno vapor, na verdade começou quando o Joaquim Levy foi para o Ministro da Economia, ainda no governo Dilma. Só que eles não tinham credibilidade para aprovar nada no Congresso naquele momento, porque já havia todo o planejamento da destituição da Dilma e a entrada do Temer. E, com o Temer, ele de fato começou. Apagaram o projeto de lei de Dilma e fizeram a emenda constitucional 95, o mal maior de tudo isso, porque foi o alicerce das reformas aprovadas.
 
É isso aí. É ali que começa o plano.

 
• E, com todas essas reformas, estamos criando uma desigualdade enorme dentro do país. Hoje, já temos 13 milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria. São aqueles que recebem R$ 84 per capita. Como interromper esse processo, antes que o Brasil se transforme realmente num país de miseráveis? E sem que haja uma ruptura no processo democrático?
 
O Estado tem que voltar a ganhar espaço, ao invés de perder espaço Tem que voltar a ser mais importante, e não menos importante.
Há outra questão para ser pensada. Temos a migração para uma economia de serviços, antes era uma economia industrial. Uma economia de serviços é uma economia na qual a mão de obra vai, cada vez mais, ser substituída. A tecnologia toma o espaço das pessoas, e o trabalho delas é cada vez mais just in time. Como funciona isso? Antigamente tinha uma empresa de motoboy que fazia delivery, e o cara era contratado dessa empresa. Hoje, o cara só recebe quando conclui o percurso de levar a comida do restaurante até a tua casa. Enquanto ele está esperando, olhando no celular, ele ganha zero. Mas ele está trabalhando. E quando ele está fechando o negócio, ele não juntou nenhum estoque de proteção para quando aquela mão de obra falhar. Olha que loucura, as pessoas não estão levando isso em consideração! As pessoas, hoje, estão passando a trabalhar dez vezes mais do que antes. Quando você era contratado, tudo contava como trabalho. Agora, é só na hora em que você está no pico de utilização da sua mão de obra.

 
• O próprio trabalho intermitente que a reforma trabalhista trouxe é também é muito precário.
Também, só que o trabalho moderno é pior que o trabalho intermitente. É como se você tivesse um taxímetro colado em você e, quando começa a fazer a tarefa, vale o taxímetro. Quando para de fazer a tarefa, para o taxímetro. No trabalho intermitente não é assim. Se você vai ao banheiro, por exemplo, você está recebendo. No trabalho moderno, quando você vai ao banheiro, você não ganha. E isso se multiplica por inúmeras vezes a sua quantidade de trabalho. Como multiplica por inúmeras vezes a quantidade, diminui por inúmeras vezes a sua longevidade de trabalho. É igual a uma pilha! Você está usando ela o tempo inteiro, ela dura menos.

Qual é o lugar para encontrar uma salvação, para poder continuar tendo um mínimo de dignidade? No Estado! No auxílio que o Estado vai te dar, na assistência que o Estado vai te dar. É a única maneira. E estão querendo diminuir o Estado, ter um Estado mínimo, num mundo de trabalho just in time!

 
• Voltando ao aumento da pobreza com a reforma da previdência, estamos publicando um estudo Anfip que analisou o impacto da reforma junto aos municípios, com base em dados de 2017, relativos aos pagamentos de aposentadorias do Regime Geral. O estudo mostra que em 87,9% dos 5.570 municípios brasileiros (um total de 4.896 cidades) o pagamento da Previdência supera a arrecadação tributária. E não é só no Nordeste, nem só em municípios mais pobres.
 
O argumento do governo é que há uma transição e que as coisas não vão acontecer imediatamente. É verdade que é uma transição. Mas só temos dois caminhos que podemos seguir. Um é o que o governo está defendendo, que corta tudo, diminui o tamanho do Estado, diminui a assistência, diminui a educação, diminui a saúde. O governo diz que vai sobrar dinheiro e com essa sobra se mata a dívida, e o mercado que se vire e arrume a vida de todo mundo. Esse é o resumo do que ele fala.

O caminho que eu defendo é outro. Você recupera a capacidade do Estado de investir repensando a emenda constitucional 95 e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em vez de Lei de Responsabilidade Fiscal, deveríamos ter uma lei de justiça fiscal. Você readequa essas duas leis, que são os principais entraves, e recupera a capacidade do Estado de investir. A partir daí você vai usar o Estado, na sua função de redistribuir a riqueza, deixando um legado para podermos gerar mais riqueza. E com essa riqueza que você vai gerar aqui, vai matar a dívida que você tomou, para poder fazer esse crescimento acima da Lei de Responsabilidade Fiscal, da emenda constitucional 95.

Posso estar errado ou o Paulo Guedes pode estar errado. Se estou errado, vou parar lá na frente mais endividado do que estou hoje, mas com um legado construído. Com pessoas que foram salvas, com pessoas que não sentiram dor, com crianças que foram educadas, com empresas que foram construídas e que têm valor. Eu deixo esse legado. O problema é que o plano do governo, se der errado, é terra arrasada. Ele só deixa um rastro de destruição. A relação de risco-retorno das duas estratégias é completamente diferente.
 
• Mas como implementar esse seu caminho, se quem comanda o país, como você mesmo deixou claro nessa entrevista, é a elite financeira?
Começando a fazer reportagens com pessoas que falam isso. Temos que transformar esse debate em mainstream! É um trabalho muito difícil, mas dá para fazer. Mídia tradicional não vai ter. Mas o bom é que, hoje, nós temos outros canais. Por exemplo, vocês estão fazendo essa entrevista aqui comigo. Por exemplo, eu estava sexta-feira, num congresso brasileiro de direito administrativo, lá em Campo Grande. Lotado. E eu falando com o pessoal de direito administrativo sobre como é a minha visão de como funciona o Estado. Teoricamente, estava ensinando o padre a rezar o Pai-nosso. Mas pessoas da plateia me disseram que nunca tinham parado para pensar nas coisas que eu estava falando.

 
• Eu acho que é um trabalho que nós temos a obrigação de manter, que é a resistência. Senão, seremos cúmplices do que está acontecendo. Mas concretamente, como dar a virada?
 
Gente, em 25 anos a gente transforma este país completamente. O Brasil tem tudo. É inimaginável. Precisamos, primeiro, de um Estado que volte a reinvestir e um legislativo que dê suporte para isso. Porque o grande problema é que, hoje, não adianta ter um monte de ideias boas com um legislativo que vá ficar remando contra e negociando tudo. Então temos que eleger melhor os representantes do legislativo também na próxima eleição. Esse nosso Congresso atual tem uma boa parcela de parlamentares que é um caos, numa defesa cega do liberalismo na economia e do conservadorismo nos costumes!
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