Os documentos que revelam como a mulher mais rica da África fez fortuna com corrupção e exploração de seu próprio país
Documentos vazados revelam como a mulher mais rica da África fez fortuna explorando seu próprio país.
Isabel dos Santos teve acesso a negócios altamente lucrativos envolvendo terrenos, petróleo, diamantes e telecomunicações quando seu pai, José Eduardo dos Santos, era presidente de Angola, país rico em recursos naturais.
José Eduardo dos Santos foi presidente de Angola de 1979 a 2017.
Os documentos — que estão sendo chamados de "Luanda Leaks" ("Vazamentos de Luanda", em tradução livre) — mostram como ela e o marido foram autorizados a comprar ativos valiosos do Estado em uma série de negócios suspeitos.
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Dos Santos afirma, no entanto, que as acusações contra ela são totalmente falsas e que existe uma caça às bruxas com motivação política por parte do governo angolano.
Ela já era alvo de investigação criminal por corrupção na Angola, e seus bens no país foram congelados no fim do ano passado.
Agora, o programa Panorama, da BBC, teve acesso a mais de 700 mil documentos vazados que revelam o império bilionário da empresária.
A maioria dos documentos foi obtida pela Plataforma de Proteção de Denunciantes na África e compartilhada com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).
Andrew Feinstein, diretor da ONG Corruption Watch, diz que os documentos mostram como Dos Santos explorou seu país às custas do povo angolano.
"Toda vez que ela aparece na capa de uma revista em algum lugar do mundo, toda vez que organiza uma de suas festas glamourosas no sul da França, ela o faz pisando nas aspirações dos cidadãos de Angola."
A conexão com petróleo
Um dos negócios mais suspeitos foi realizado a partir de Londres, por meio de uma subsidiária britânica da empresa petrolífera angolana Sonangol.
Isabel entrou para o comando da Sonangol em 2016, graças a um decreto presidencial do pai, José Eduardo dos Santos, que governou o país com pulso firme durante os 38 anos em que esteve no poder.
Mas quando ele deixou a presidência em setembro de 2017, o cargo da filha foi logo ameaçado — e Dos Santos foi demitida dois meses depois.
Os documentos vazados mostram que, ao deixar a Sonangol, Isabel aprovou US$ 58 milhões (cerca de R$ 244 milhçoes) em pagamentos suspeitos para uma empresa de consultoria em Dubai chamada Matter Business Solutions.
Ela diz não ter interesses financeiros na Matter, mas os documentos vazados revelam que a companhia era administrada pelo seu gerente de negócios e pertencia a um amigo dela.
Conforme a BBC Panorama apurou, a Matter enviou mais de 50 faturas para a Sonangol em Londres no dia em que Isabel foi demitida.
Tudo indica que a empresária aprovou pagamentos para a empresa do amigo após ser exonerada.
Embora a Matter tenha realizado alguns trabalhos de consultoria, as faturas apresentam poucos detalhes sobre os serviços prestados para justificar cifras tão altas.
Uma das notas fiscais cobra 472.196 euros (R$ 2,2 milhões) para despesas não especificadas, enquanto a outra cobra US$ 928.517 (R$ 3,9 milhões) por serviços jurídicos não especificados.
Duas faturas — cada uma de 676.339,97 euros (R$ 3,1 milhões) — se referem exatamente ao mesmo trabalho e têm a mesma data, e Isabel dos Santos assinou ambas.
Os advogados da Matter Business Solutions dizem que a empresa foi contratada para ajudar a reestruturar a indústria de petróleo em Angola, e que as faturas eram para trabalhos que já haviam sido realizados por outras empresas de consultoria que haviam contratado.
"Quanto às faturas relacionadas às despesas, é comum que as empresas de consultoria adicionem despesas às faturas como um item geral. Isso geralmente acontece devido às despesas que envolvem grandes quantidades de papelada... A Matter pode produzir provas documentais para confirmar todas as despesas efetuadas. "
Os advogados de Isabel afirmam, por sua vez, que todas as medidas que sua cliente tomou em relação aos pagamentos da Matter estão dentro da lei — e que ela não autorizou pagamentos após ter sido demitida da Sonangol.
"Todas as faturas pagas são referentes a serviços contratados e acordados entre ambas as partes, sob um contrato que foi aprovado com o pleno conhecimento e aprovação do Conselho de Administração da Sonangol", afirmam.
O ICIJ e a BBC Panorama também descobriram novos detalhes sobre os negócios que enriqueceram Isabel dos Santos.
Grande parte da fortuna da empresária é baseada na participação que ela detém da companhia portuguesa de energia Galp, que uma de suas empresas comprou da Sonangol em 2006.
Os documentos mostram que ela só pagou inicialmente 15% do valor — e que os 63 milhões de euros (R$ 293 milhões) restantes foram transformados em um empréstimo com juros baixos da Sonangol.
Sob os termos generosos do empréstimo, sua dívida com o povo angolano não precisava ser paga durante 11 anos.
A participação dela na Galp agora vale mais de 750 milhões de euros (R$ 3,5 bilhões).
A empresa de Isabel se ofereceu para pagar o empréstimo da Sonangol em 2017.
A oferta deveria ter sido rejeitada, uma vez que não incluía quase 9 milhões de euros (R$ 42 milhões) em juros devidos.
Mas Dos Santos estava no comando da Sonangol na época e aceitou o dinheiro como pagamento integral de sua própria dívida.
Ela foi demitida seis dias depois — e o pagamento foi devolvido pela nova administração da Sonangol.
Dos Santos diz, por sua vez, que não há qualquer irregularidade. Ela afirma que iniciou a compra da participação na Galp, e que a Sonangol também ganhou dinheiro com o negócio.
"Não há absolutamente nenhuma irregularidade em nenhuma dessas transações. Esse investimento é o investimento mais rentável na história da companhia nacional de petróleo, e todos os contratos que foram elaborados são contratos perfeitamente legais, não há irregularidades."
Os advogados dela dizem que a oferta de pagamento da dívida em 2017 cobria o valor indicado pela Sonangol.
A conexão com diamante
Na indústria de diamantes, a história é semelhante.
O marido de Isabel, Sindika Dokolo, assinou um acordo unilateral em 2012 com a empresa estatal angolana de diamantes Sodiam.
Eles deveriam ser sócios igualitários (50%) em um negócio que previa comprar uma participação na joalheria de luxo suíça De Grisogono.
Mas o negócio foi financiado pela empresa estatal. Os documentos mostram que 18 meses após fecharem o acordo, a Sodiam havia investido US$ 79 milhões (R$ 332 milhões) na parceria, enquanto Dokolo havia investido apenas US$ 4 milhões (R$ 17 milhões).
A Sodiam também concedeu a ele uma compensação (success fee) de 5 milhões de euros (R$ 23,2 milhões)por intermediar o negócio, para que ele não precisasse usar seu próprio dinheiro.
Os documentos revelam ainda como a Sodiam pegou emprestado todo o dinheiro de um banco privado, do qual Isabel é a maior acionista.
A Sodiam precisa pagar 9% de juros, e o empréstimo foi garantido por um decreto presidencial do pai da empresária, de modo que o banco da filha não saísse perdendo.
Bravo da Rosa, o novo diretor-executivo da Sodiam, disse à BBC Panorama que o povo angolano não recebeu um único dólar sequer com o negócio:
"No final, quando terminarmos de pagar esse empréstimo, a Sodiam vai ter perdido mais de US$ 200 milhões (R$ 840 milhões). "
Quem é Isabel dos Santos?
- Filha mais velha do ex-presidente José Eduardo dos Santos;
- Casada com o colecionador de arte e empresário congolês Sindika Dokolo;
- Educada no Reino Unido, onde mora atualmente;
- Apontada como a mulher mais rica da África, com uma fortuna de cerca de US$ 2 bilhões (R$ 8,4 bilhões);
- Detém participações em bancos e empresas de petróleo e de telefonia móvel, principalmente em Angola e Portugal.
Fonte: Revista Forbes e outros
O ex-presidente também concedeu ao marido de Isabel o direito de comprar alguns diamantes brutos de Angola.
O governo angolano diz que os diamantes foram vendidos a um preço bastante reduzido — quase US$ 1 bilhão (R$ 4,2 bilhões) podem ter sido perdidos, informaram fontes à BBC Panorama.
Isabel afirmou à BBC que não podia comentar porque não era acionista da De Grisogono.
Mas os documentos vazados mostram que ela é indicada como acionista da De Grisogono por seus próprios consultores financeiros.
Os advogados de Dokolo dizem que ele investiu US$ 115 milhões (R$ 483 milhões), e que a aquisição da De Grisogono foi ideia dele.
Ainda de acordo com os advogados, a empresa do seu cliente pagou acima da taxa de mercado pelos diamantes brutos.
A conexão com terrenos
Os documentos vazados também revelam como Isabel comprou terras do Estado em setembro de 2017. Mais uma vez, ela só teve que pagar uma pequena taxa inicial.
A empresa dela comprou um quilômetro quadrado de terreno privilegiado em frente à praia na capital Luanda, com a ajuda de decretos presidenciais assinados por seu pai.
O contrato diz que o terreno valia US$ 96 milhões (R$ 403,2 milhões), mas os documentos mostram que a empresa dela pagou apenas 5% deste valor, após concordar em investir o restante no empreendimento.
A BBC Panorama foi atrás de alguns angolanos que foram desalojados para dar lugar ao empreendimento.
Eles foram transferidos da orla marítima de Luanda para um conjunto habitacional isolado a 50 km da capital.
Teresa Vissapa perdeu seu negócio — e agora está lutando para criar os sete filhos.
"Só peço a Deus que faça ela pensar um pouco mais sobre a nossa situação. Talvez ela nem saiba disso, mas estamos sofrendo", diz.
Isabel se recusou a comentar sobre o empreendimento.
Mas este não foi o único negócio de Isabel dos Santos que desalojou população local.
Cerca de 500 famílias foram despejadas de outro trecho da orla marítima de Luanda depois que a empresária se envolveu em outro grande projeto de reurbanização.
Estas famílias estão vivendo agora em condições precárias ao lado de um esgoto a céu aberto — alguns barracos são inundados pelo esgoto sempre que a maré sobe.
Isabel diz, por sua vez, que não houve despejos relacionados ao seu projeto e afirma que suas empresas nunca foram pagas porque o empreendimento foi cancelado.
A conexão com telecomunicação
A empresária também obteve grandes lucros com o setor de telecomunicações em Angola.
Ela tem uma participação de 25% na Unitel, maior operadora de telefonia móvel do país.
Em 1999, o pai concedeu a ela uma licença de operação e, no ano seguinte, ela comprou sua participação de um alto funcionário do governo.
A Unitel já pagou US$ 1 bilhão (R$ 4,2 milhões) em dividendos, e a participação dela vale mais US$ 1 bilhão. Mas essa não é a única maneira pela qual ela obteve dinheiro da empresa privada.
Ela conseguiu que a Unitel emprestasse 350 milhões de euros (R$ 1,63 bilhão) a uma nova empresa que ela criou, chamada Unitel International Holdings.
O nome da empresa é enganoso, uma vez que a companhia não é ligada à Unitel, e a proprietária é Isabel.
Os documentos mostram que Dos Santos assinou os empréstimos como credora e mutuária, o que é um evidente conflito de interesses.
Mas ela nega que os empréstimos sejam desonestos.
"Este empréstimo teve a aprovação dos diretores e dos acionistas, e é um empréstimo que gerou e vai gerar benefícios para a Unitel."
Os advogados dela afirmam que os empréstimos protegeram a Unitel de flutuações cambiais.
A maioria das empresas envolvidas nos negócios duvidosos era supervisionada por contadores que trabalhavam para a empresa de serviços financeiros Price Waterhouse Coopers (PWC), que recebeu milhões fornecendo auditoria e consultoria tributária para suas empresas.
A PWC informou, no entanto, que encerrou seus contratos com Isabel e a família dela depois que as denúncias vieram à tona.
E disse que está conduzindo uma investigação sobre as "acusações muito sérias e preocupantes".
Tom Keatinge, diretor do Centro de Estudos sobre Crimes Financeiros e Segurança, disse à BBC Panorama que a PWC deu legitimidade a Dos Santos e suas empresas.
"A PWC, se não está facilitando a corrupção, está fornecendo um verniz de respeitabilidade que torna o que está acontecendo aceitável ou mais aceitável do que poderia ser."
"Então, se eu estivesse na PWC, estaria conduzindo uma auditoria bastante minuciosa sobre quais decisões foram tomadas e, retrospectivamente, na verdade: 'Tomamos a decisão errada de aceitar esse negócio e deveríamos ter relatado o que nos foi apresentado?'"
A PWC diz que se esforça para manter os mais altos padrões profissionais e prevê um comportamento ético consistente em toda a sua rede global.
"Em resposta às acusações muito graves e preocupantes levantadas, iniciamos imediatamente uma investigação e estamos trabalhando para avaliar minuciosamente os fatos e concluir nosso inquérito."
"Não hesitaremos em tomar as medidas apropriadas para garantir que vamos defender sempre os mais altos padrões de comportamento, onde quer que operemos no mundo".
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