Energia
Desmonte do setor nuclear exclui Brasil do jogo no mercado global
Coryntho Baldez
Edição 12 / Fevereiro / Março de 2018
Ao lado dos Estados Unidos e da Rússia, o Brasil faz parte do seleto grupo de nações que domina o ciclo do combustível nuclear, de modo autossuficiente, para a geração de energia elétrica. Os outros países ou têm a tecnologia ou a matéria-prima, mas não as duas juntas. Além dos três citados, somente mais oito Estados nacionais completaram o ciclo tecnológico do enriquecimento do urânio – mas estes dependem da importação do minério.
Em breve, contudo, é provável que o Brasil seja expelido do topo dessa lista e assista ao completo abandono do seu programa nuclear, que enfrenta uma dramática crise de financiamento há cerca de três anos. “Esse desmonte só interessa aos países centrais. O Brasil estava na crista da onda há seis anos e era reconhecido internacionalmente. Hoje, isso mudou completamente com a paralisia dos investimentos no setor nuclear”, afirma Aquilino Senra, professor de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ.
De fato, a situação financeira da Eletronuclear é crítica devido à falta de renovação do seu empréstimo junto ao BNDES para a construção da usina de Angra 3, como atesta em carta pública a Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben). O Banco está exigindo que a empresa assuma encargos da ordem de R$ 30 milhões por mês antes de a própria usina gerar receita, comprometendo o fluxo de caixa da Eletronuclear e o pagamento a fornecedores.
A Aben alerta que a paralisação das obras de Angra 3, com o consequente risco de que não entre em operação, poderá agravar a crise do setor elétrico brasileiro. A usina poderia agregar quase 1.500 MW à oferta de energia num momento em que se registram baixos níveis de armazenamento nos reservatórios das hidrelétricas.
Brasil abdica do mercado global
Aquilino Senra lembra que o Brasil tem a sétima maior reserva de urânio do mundo, com potencial para ser o primeiro desse ranking. Com minério de sobra, o país fez, a partir do fim da década de 1970, um notável esforço tecnológico de enriquecimento do urânio, por meio de centrífugas, que surpreendeu o mundo (acesse a palestra do pesquisador e saiba mais sobre o ciclo do combustível nuclear e a estrutura do setor no Brasil).
“Foi um projeto coordenado pela Marinha, sob a liderança do almirante Othon Pinheiro, com a parceria das universidades e dos institutos de pesquisa. O Brasil passou a dominar essa tecnologia sensível e anunciou, na metade da década de 1980, a sua capacidade de enriquecer urânio”, frisa.
Portanto, o Brasil tem matéria-prima e tecnologia para galgar a posição de player no mercado global, segundo o pesquisador. São mais de 400 usinas nucleares no mundo com necessidade de manutenção e abastecimento de urânio.
“É um mercado que movimenta mais de U$ 20 bilhões, restrito a cerca de cinco países, e que envolve o fornecimento de componentes e de matéria-prima para as usinas. Só que o Brasil ainda não entrou neste mercado global e nem querem que entre”, aponta.
Ex-presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa que exerce o monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares, Senra defende a venda do minério enriquecido, ou seja, com valor agregado, e não do urânio in natura.
Submarino nuclear e soberania do território
Mas, além das vantagens econômicas que pode proporcionar ao Brasil, o programa nuclear tem outro viés, relacionado à defesa do Estado e da soberania nacional. O submarino nuclear tem uma importância geopolítica estratégica, já que o país tem uma costa extensa, onde há petróleo e minerais valiosos que podem ser explorados.
“Essa extensão de mar ao longo da costa é uma área a ser defendida. O submarino nuclear é uma peça estratégica dentro do arranjo de defesa do território, já que permanece mais tempo submerso e não pode ser detectado por satélites ou sonares dos navios”, explica.
Para evitar confusões, o professor da Coppe/UFRJ lembra que o Brasil é o único país do mundo que tem um artigo na Constituição que proíbe o uso da energia nuclear para fins militares. Portanto, o submarino é movido a propulsão nuclear, não uma arma nuclear.
Além do submarino nuclear – que deverá ficar pronto em 2029, com atraso de quatro anos devido à falta de recursos –, o programa prevê a construção de mais quatro submarinos convencionais, devendo o primeiro deles ser lançado no início do ano que vem.
Hoje, segundo o docente, a tecnologia voltada para o submarino nuclear, com enriquecimento de 20% do urânio, está sendo desenvolvida no Centro Experimental Aramar, em São Paulo. “Na parte civil, o enriquecimento está limitado a 5% exatamente para que ele não possa ser desviado para a construção de artefatos nucleares. E o enriquecimento de 20% se destina a submarinos nucleares ou a reatores para pesquisa”, esclarece.
Senra afirma que o almirante Othon Pinheiro – engenheiro naval, com mestrado na área nuclear no Massachusetts Institute of Technology (MIT) – teve papel essencial no desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear. E critica a condenação e a prisão ruidosa do ex-presidente da Eletronuclear no âmbito da Operação Lava Jato.
“Foi uma operação feita de maneira espetaculosa. Não havia a necessidade de filmarem a prisão do presidente da Eletronuclear, às seis da manhã. A prisão preventiva durou mais de um ano e meio até vir uma condenação em primeira instância, com uma pena de 43 anos [hoje o almirante cumpre prisão domiciliar]. Além disso, não foi apontado nenhum ato de ofício de Othon Pereira em benefício de empreiteiras”, afirma.
O almirante era um integrador das atividades de todo o setor, segundo o professor, e tinha voz ativa na definição da política nuclear do país, com uma visão autônoma e nacionalista. “Era um cientista que incomodava os interesses econômicos das outras nações”, ressalta.
Outras aplicações da energia nuclear
Aquilino Senra salienta ainda que a sociedade, de modo geral, ouve falar em energia nuclear apenas quando ocorrem grandes acidentes em reatores de usinas, mas desconhece o seu uso em áreas como a indústria, a medicina e a agricultura, entre outras. São aplicações do dia a dia estabelecidas e socialmente aceitas, mas a principal delas é mesmo a geração de energia elétrica – “hoje, 16% da energia elétrica gerada no mundo vêm das usinas nucleares”.
Ele aponta que outra aplicação importante, mas ainda incipiente, relaciona-se à dessalinização da água do mar, a partir do calor produzido nas usinas, para torná-la potável e também para produzir energia. Por fim, Senra cita o hidrogênio como a bola da vez na área de produção de energia, com capacidade até mesmo de se tornar o substituto do petróleo no futuro. E, para o necessário processo de separação do hidrogênio da água, uma das possibilidades em estudo é o uso do calor dos reatores nucleares.
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