Em 2009, como governador, José Serra inaugurou usina ao lado de Marcelo Odebrecht
No mesmo ano ele construiu uma vicinal para a sede da empresa; conexão do senador com agronegócio passa pela Sociedade Rural, vizinha de prédio da Fundação FHC; José Amaro Pinto Ramos, citado na denúncia contra Serra, empregou Sérgio Motta durante a ditadura
Por Alceu Luís Castilho
O senador José Serra (PSDB-SP) é um personagem secundário do livro “O Protegido — por que o país ignora as terras de FHC“. Mas não ausente. O livro sobre as conexões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o agronegócio, lançado pela Autonomia Literária em 2019, baseou-se uma série de reportagens publicada no ano anterior pelo De Olho nos Ruralistas. Políticos tucanos de diversas plumagens povoam esse emaranhado de histórias. Entre eles, o ex-governador paulista.
Serra foi denunciado nesta sexta-feira (03) pelo Ministério Público Federal em São Paulo, acusado de lavagem de dinheiro. Um dos personagens dessa história, o empresário José Amaro Pinto Ramos, suposto responsável pelo envio de dinheiro do político para a Suíça, é um operador histórico dos tucanos. Durante os anos 70, o futuro ministro das Comunicações do governo FHC, Sérgio Motta, era funcionário de Pinto Ramos em uma empresa chamada Sociplan. Motta foi o responsável pela entrada do ex-presidente no universo agropecuário. Ele e FHC seriam amigos do empresário.
Pinto Ramos não foi o único personagem citado por Pedro Novis, ex-executivo da Odebrecht, como alguém que enviaria dinheiro de Serra (obtido a partir de propinas da empreiteira) para o exterior. Outro mencionado por Novis, o pecuarista Jonas Barcellos, não aparece na atual denúncia do MPF. Mas é um personagem que conecta diretamente o alto tucanato, a começar de Serra e FHC, a alguns dos principais expoentes do agronegócio em São Paulo, Rio e Minas Gerais.
É DO CALDEIRÃO RURAL DE FHC QUE SAI O MINISTRO RICARDO SALLES
Sentado do lado esquerdo de Marcelo Odebrecht, o então governador José Serra inaugurou no dia 16 de dezembro de 2009 uma usina do grupo baiano, a Unidade Conquista do Pontal da ETH Bionergia, localizada no município de Mirante do Paranapanema. O Pontal do Paranapanema é uma das áreas de atuação da Odebrecht e de Jovelino Mineiro, o articulador agrário de FHC: “FHC, o Fazendeiro – Em Teodoro Sampaio (SP), Jovelino Mineiro arrenda fazenda para Odebrecht”.
ETH Bioenergia era o nome da Odebrecht Agroindustrial, depois Odebrecht Agro — desde o dia 20 de maio em recuperação judicial. O site da empresa diz que ela é a responsável por 10% do etanol do mercado brasileiro. O livro “O Protegido” conta, em detalhes, como Fernando Henrique Cardoso e seus três primeiros filhos se tornaram donos de um canavial na região de Botucatu, em área de mananciais, sob a bênção de Jovelino Mineiro.
Notícia divulgada na época pelo deputado tucano Mauro Bragato, aliado de Serra na região do Pontal, contava que a usina tinha sido instalada pela Odebrecht em parceria com a empresa japonesa Sojitz Corporation, com um investimento de R$ 400 milhões. “A Conquista do Pontal, em Mirante do Paranapanema, e a destilaria Alcídia, instalada em Teodoro Sampaio, pertencente ao mesmo grupo, vão gerar juntas 3 mil empregos diretos, moendo 4,7 milhões de toneladas de cana por safra”, comemorava José Serra.
O governador ressaltava que a unidade era a primeira a cumprir o protocolo ambiental paulista. Ele citou os métodos de replantio das matas ciliares para preservação de mananciais e a extinção das queimadas. Curiosamente, é do ninho do agronegócio tucano, das conexões entre a Sociedade Rural Brasileira e o Movimento Endireita Brasil, que emerge o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Que seria, anos depois, assessor especial de outro governador tucano, Geraldo Alckmin.
Alckmin, FHC e Serra são figuras conhecidas na Sociedade Rural, que fica no mesmo prédio que a Fundação FHC, por sugestão de Jovelino Mineiro. Jovelino foi sócio dos filhos de FHC em fazenda pecuarista em Minas, sucedendo Sérgio Motta e o próprio presidente. Bento Mineiro, filho de Jovelino e afilhado de Fernando Henrique, foi colega de Salles no Movimento Endireita Brasil; este, por sua vez, ao lado da própria Rural, foi um dos articuladores do impeachment de Dilma Rousseff.
Naquele mesmo ano de 2009, um mês antes da inauguração da usina da Odebrecht no Pontal do Paranapanema, José Serra participou do jantar comemorativo aos 90 anos da Sociedade Rural Brasileira, realizado na sala São Paulo. FHC é o presidente de honra da Fundação Osesp, da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que mantém o espaço especializado em concertos. “A agricultura foi a âncora da estabilização”, disse Serra na época, referindo-se também ao Plano Real.
OUTRA CONEXÃO INTERNACIONAL TUCANA: JONAS BARCELLOS
O operador mencionado pelo Ministério Público Federal nesta sexta-feira como aquele que enviava dinheiro ilegal de José Serra ao exterior, José Amaro Pinto Ramos, não chegou a ser denunciado, ao contrário de Serra e de sua filha, Verônica Serra. Mas ele não foi o único a ser mencionado em depoimento de Pedro Novis, ex-executivo da Odebrecht. Entre aqueles que, segundo Novis, enviariam dinheiro de Serra — oriundo da empreiteira — para o exterior estaria o empresário e pecuarista Jonas Barcellos.
Os filhos de Novis e Barcellos são atuantes na Sociedade Rural Brasileira, assim como o filho de Jovelino Mineiro, chamado carinhosamente por Fernando Henrique Cardoso de Nê. Jonas Barcellos é um dos personagens principais do livro “O Protegido”, ainda que eclipsado pela atuação quase onipresente de Jovelino na trajetória agrária do ex-presidente FHC. Bento Mineiro, quando criança, assoprava as velinhas do presidente durante os aniversários no Palácio da Alvorada.
Jonas Barcellos, Jovelino Mineiro e Pedro Novis — antes um braço-direito dos Odebrecht — são influentes na Rural e na Associação dos Criadores de Nelore do Brasil. Barcellos é aquele que, segundo Mirian Dutra, financiava, a mando de Fernando Henrique, suas despesas no exterior. A família de Jovelino Mineiro é a proprietária do famoso apartamento de FHC em Paris, na Avenida Foch.
Mirian Dutra também contou que foi Fernando Henrique Cardoso quem mandou fazer a reforma no apartamento onde ela morava em Barcelona. O dinheiro teria sido enviado por José Serra, na época também senador, e pelo espanhol Gregório Preciado, casado com uma prima de Serra, Vicencia Talan. Em abril de 2018, a Polícia Federal divulgou um laudo que atesta transações financeiras entre Vicencia e José Amaro Pinto Ramos.
SERRA ASFALTOU VICINAL PARA USINAS
José Serra e Jonas Barcellos são amigos. Em 2012, candidato à prefeitura paulistana, o político foi visto no Rio saindo da loja de roupas íntimas de Paula Barcellos, a mulher do empresário, no prédio da Brasif no Leblon. A Loungerie S/A é uma sociedade entre Paula e Jonas Barcellos, Gustavo Magalhães Fagundes e o Banco de Nova York Mellon Serviços Financeiros.
O BNY Mellon foi sócio de Jonas Barcellos na Usina da Mata, em Valparaíso (SP), pelo menos até 2014. Cinco anos antes, em 2009, mesmo ano em que o governador José Serra inaugurava usina da Odebrecht ao lado do dono da empresa, o governo paulista asfaltou uma vicinal para a usina de Barcellos. Foi em março daquele ano que o governo Serra aprovou convênio do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) com municípios para a pavimentação de 25 quilômetros de uma vicinal para a Usina da Mata.
O mesmo decreto da Casa Civil (então comandada pelo ex-senador tucano Aloysio Nunes) liberou também a pavimentação de uma via de acesso da Rodovia Euclides Figueiredo, a SP-563, à Usina Conquista do Pontal — aquela do grupo Odebrecht, inaugurada por Serra e Marcelo Odebrecht. De quebra, foram construídas duas rotatórias.
| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Governo do estado de São Paulo): Serra em aniversário da Sociedade Rural Brasileira
0 comentários:
Postar um comentário