5 de jul. de 2020

O Caso Banestado em Mato Grosso. - Editor - CARGA PESADA

O Caso Banestado em Mato Grosso

Por “Cobra d’água”
O documento a seguir analisa a relação de contas CC-5 que foram utilizadas para operar o esquema do Banestado em Mato Grosso entre os anos de 1996 e 1998. Estes documentos foram disponibilizados pelo Duplo Expresso, tendo sido sistematizados pela equipe do Procurador da República Celso Antônio Três. Na ocasião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banestado, o mesmo foi enviado aos parlamentares e também ao Senador Roberto Requião (PMDB-PR).
Os documentos estão disponíveis para download em https://duploexpresso.com/?p=113397 .
Sumário

1. Caso Banestado em Mato Grosso e a operação Arca de Noé

O caso Banestado toma forma em Mato Grosso por meio da operação Arca de Noé, comandada pelo então procurador Pedro Taques. As informações enviadas pelo Ministério Público Federal (MPF) na época se desdobraram em investigações locais, principalmente envolvendo o bicheiro e doleiro João Arcanjo Ribeiro figura conhecidíssima do crime organizado em Mato Grosso[1].
O esquema local utilizava como meio circulante cheques cujos valores, originários de dinheiro de sonegação e outras atividades criminosas, eram depositados em contas de laranjas. Da mesma forma como explicado nos documentos do Banestado, o dinheiro dessas contas, devidamente operado por doleiros em paraísos fiscais, voltavam para os nomes das elites locais, justamente nas contas de bancos nacionais no exterior, as famigeradas contas CC-5. Segundo a investigação, os operadores do esquema eram (ou ainda são?) José Riva, então presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso e o bicheiro e doleiro João Arcanjo Ribeiro, ou simplesmente, Arcanjo.
Algumas ações penais relacionadas a este esquema correm até hoje, com uma notável morosidade da justiça e do próprio Ministério Público (esqueça o ritmo lava-jatista frenético de Moro e Dallagnol). Riva e Arcanjo foram condenados, porém, estão em prisão domiciliar sendo que Riva delata seus rivais políticos a depender da ocasião. Arcanjo continua operando e “dando atendimentos” em Cuiabá enquanto Riva segue administrando os vários CNPJs construídos com capital suspeitíssimo. Consta dizer que a filha de Riva, Janaína, é deputada na mesma Assembleia em que o pai operava seus esquemas.
Na época, a mídia local fez uma cobertura insossa dos desdobramentos da operação Arca de Noé, a tratando como um esquema pontual de jogo do bicho e corrupção, mas sem aprofundar a sua relação profunda com o Banestado. O tema era constantemente tratado como “esquema do bicho”, um recurso jornalístico de qualquer paróquia situada nos anos 1960.
O mais impressionante é que os esquemas são tratados pela mídia e políticos locais como encerrados, mas muito provavelmente continuam a todo vapor. Afinal, Mato Grosso é o Estado perfeito para a lavagem de dinheiro: tráfico de drogas, de animais, de pessoas. Tráfico de madeira (inclusive José Riva é um dos grandes traficantes de madeira de Mato Grosso) e também centenas, milhares, de empreendimentos agrícolas que funcionam na base de isenção e concessão fiscal e que formam complexa cadeia de CNPJs.

2. Quem está na relação das contas CC-5?

Estas contas somam a vultuosa quantia de R$ 155 milhões, apenas entre 1996 e 1998 no Estado! Na relação de CPFs e CNPJs chamam a atenção três nomes:
  • João Arcanjo Ribeiro – Arcanjo, o Comendador, bicheiro e lavador de dinheiro bastante famoso de Cuiabá;
  • Sérgio Ricardo – ex-deputado federal ministro afastado do Tribunal de Contas de Mato Grosso por ter comprado a sua vaga de ministro por R$ 11 milhões. Também está nos rolos de desvio e propina com verbas das obras da copa do mundo. Já foi muitos anos padrinho político de Riva mas não só: Silval Barbosa, ex-governador e preso no esquema de desvios da copa do mundo, Antero Paes de Barros, que enterrou da CPI do Banestado quando era parlamentar e até Blairo Maggi já apadrinharam politicamente Sérgio Ricardo. Nas contas CC-5 o nome de Sérgio Ricardo está associado à Ferronorte – ferrovia que liga Rondonópolis ao Estado de São Paulo e que já foi propriedade do multibilionário Olacyr de Moraes, o rei da soja (a seguir);
  • Olacyr de Moraes, falecido em 2015, na época do Banestado era considerado o rei da soja e um dos homens mais ricos do mundo, tendo aparecido na lista Forbes no início dos anos 1990. O nome de Olacyr está relacionado às CC-5 por conta da própria Ferronorte mas principalmente por conta da Usina de Álcool Itamarati, a que possui maior quantia repassada no esquema, de R$ 33 milhões. Olacyr fundou a usina nos anos 1980 e na época dos repasses ainda tinha sua posse. Não confundir a usina Itamarati com as maiores fazendas de soja do Brasil, também de propriedade de Olacyr: a fazenda Itamarati I (em Ponta Porã-MS) e Itamarati II, na chapada dos Parecis em Mato Grosso e próxima da fronteira com a Bolívia, com várias pistas de pouso. Além destas propriedades, Olacyr também era dono das hidrelétricas do rio Juba, do banco Itamarati, da construtora Constran (esta também está no rolo do Banestado, mas em São Paulo) e de uma série de empreendimentos.
Os mato-grossenses conhecem o nome de Sérgio Ricardo e Arcanjo pelas suas sucessivas falcatruas com o povo mato-grossense. O nível de roubo é tamanho que até mesmo as dorminhocas autoridades do Estado não tiveram opção, se não investigar algum ou outro esquema. O nome de Olacyr obviamente é conhecidíssimo, tanto pelo patrimônio acumulado mas também por ser conhecidamente um esbanjador (muitas mulheres, muitas baladas). Apesar das baladas, seu perfil era discreto.
Olacyr de Moraes e Andrés Guzmán ; com Jô Soares em entrevista; na noite; na inauguração de um dos trechos da Ferronorte.
Na apuração que fiz considero que o nome de Olacyr de Moraes – tanto pela fortuna quanto pelas conexões, o nome central do esquema do Banestado em Mato Grosso.
As fazendas de Olacyr sempre foram notadas pela sua grandeza, imponência e vasta produção de soja. Na boca do povo sempre surge a história de que ali o pouso de aviões era intenso. Em 2017, um desses aviões chamou bastante atenção: era um bimotor que carregava 600 kg de cocaína, tendo feito um pouso de emergência em Jussara. Questionado pela polícia o piloto relatou que partiu da Itamarati Norte, fazenda espólio de Olacyr e arrendada pela Amaggi.[2]

3. O buraco é mais embaixo

Então você poderia perguntar que o braço mato-grossense do Banestado já foi investigado na operação Arca de Noé. Foi mesmo? Pedro Taques, na época procurador da república, se orgulha de ser o homem que prendeu Arcanjo. Mas acontece que o inquérito é limitado pelo seu foco excessivo em Arcanjo e no jogo do bicho. E claramente, Arcanjo é um operador, não é peixe grande. Foi deliberado? Por que o império de Olacyr nunca foi investigado mesmo havendo tantas empresas em seu nome listadas no documento oficial que investigou o esquema? O próprio Celso Três, que repassou os documentos, comenta que o que está ali é apenas a ponta do iceberg.
Pode-se argumentar que não é crime algum possuir uma conta CC-5, visto que muitos a utilizam para repassar remessas de lucros ao exterior, por exemplo. Isso é verdade. Porém, mantenha o foco: o procurador Celso Três chegou naquelas contas não diretamente, mas rastreando complexas cadeias de CPFs e laranjas para então entender que esse dinheiro retornava a essas empresas, incluindo a Usina Itamarati, a Ferronorte e a Constran, todas de Olacyr. Como o próprio procurador comentava à época, em ofício ao Senador Roberto Requião: “mais da metade dos valores que constam nessas contas não resiste a uma devassa”.
O fato de Olacyr e Sergio Ricardo estarem na mesma relação de contas CC-5, sendo que o nome de Sérgio Ricardo aparece associado ao da Ferronorte (de Olacyr) nos diz muito sobre as atividades da burguesia em Mato Grosso. Essa burguesia não vive só de soja e de boi. Ela acumula capitais de outras maneiras, quase todas ilegais (tráfico de seres, sonegação, tráfico de drogas, propinas, desvios), e que precisam ser lavadas de alguma forma.
Se olharmos as quantias das CC-5 notamos também que estão ali muitas empresas de agro-indústria e também de extração de minério. Em alguns casos, como o da Cáceres Florestal, chama atenção o comércio de madeira teca, sempre tão problemático em Mato Grosso, possuir quantias tão vultosas em uma conta avulsa.
Na relação das CC-5 sistematizadas pelo MPF para Mato Grosso:
  • Muitas das empresas listadas nos documentos possuem atividade agro-industrial, principalmente com incentivos fiscais, bem como com a extração de minérios e estruturas rodoviárias e ferroviárias;
  • Em Mato Grosso e São Paulo, alguns CNPJs são facilmente associados ao homem mais rico de Mato Grosso, um dos mais ricos do Brasil e do mundo na época, Olacyr de Moraes. Destaca-se aqui em Mato Grosso a Usina Itamarati S/A e a Ferronorte enquanto em São Paulo a Constran Construtora[3];
  • O Banestado está relacionado ao bicheiro Arcanjo, operador da maioria dos políticos locais durante muitos anos;
  • A citação de Sérgio Ricardo é crucial nos documentos, pois o político apresenta íntima relação com Olacyr – o bilionário mas também com Antero Paes de Barros, o parlamentar de Mato Grosso que enterrou a CPI. Além disso, Sérgio Ricardo é central em pelo menos dois grandes esquemas de corrupção no Estado nos últimos anos: os desvios das obras da copa e também a compra de sua própria vaga no Tribunal de Contas no Estado.
Algumas CC-5 listadas no documento enviado pelo Procurador da República Celso Antônio Três. Conforme consta no próprio documento, chegou-se a esta relação de contas pelo rastreio de operações financeiras rastreadas no Banco Central, que registra remessas de mais de R$ 10.000,00 para contas no exterior. Entretanto, essas remessas não são feitas diretamente nas contas mencionadas no documento, mas sim em centenas de CPFs e CNPJs laranjas que repassarão este dinheiro sujo a um operador estrangeiro (doleiro). O doleiro então depositará parte do dinheiro sujo nas contas CC-5 destas pessoas e empresas, lavando este dinheiro. Não é ilegal possuir contas CC-5, acontece que várias delas representam um crescimento desproporcional com a trajetória do patrimônio nos anos registrados ou tais valores não foram emitidos diretamente do Brasil por estas empresas, pois estariam sujeitos a impostos[4].

4. Lavagem de dinheiro, desenvolvimentismo e o ciclo das commodities

Deve existir alguma explicação para a grande quantidade de empreendimentos agrícolas nas relações das CC-5, não só em Mato grosso. Estes empreendimentos são bastante voláteis em relação ao lucro que geram, geralmente são fundados a base de diversos incentivos fiscais e linhas de financiamento públicas e também trabalham em sistema de arrendamento – dessa forma é quase impossível determinar a origem desses lucros em vários casos.
Principalmente na questão do arrendamento, muitas vezes estes empreendimentos apenas centralizam uma produção regional, de vários médios produtores mas também transportadores e uma infinidade de bens e serviços. Imagine a cadeia de CPFs e CNPJs envolvida? Por fim, é necessário entender que estes empreendimentos possuem eficiência baixa e muita variação nas perdas na produção e principalmente no transporte. Os “prejuízos” (por conta de desvios e sonegações fiscais, por exemplo) podem ser interpretados como “variações sazonais” da produção ou outro tipo de externalidade.
Mais do que isso, principalmente em Mato Grosso e dada sua grande extensão territorial, empreendimentos agrícolas também servem como plataforma física para a sonegação fiscal, esfriamento de produtos do desmate ilegal e até mesmo o tráfico de drogas internacional. No caso específico de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, a proximidade destes estados e dessas propriedades com a fronteira a tornam convenientes pontos de apoio para diversas atividades. O esforço das autoridades, principalmente da Força Aérea Brasileira, em defender uma outra versão da história, na minha visão, é um belo recibo.
Afinal, se a Bolívia é uma das maiores produtoras de cocaína e o escoamento da droga necessariamente passa por Mato Grosso, deve haver uma logística mesmo que mínima para abastecimento de aviões. As tecnologias recentes de imagem de satélite tornam a empreitada muito mais difícil, mas na boca do povo, não são poucos os relatos de aviões que usam “pistas clandestinas”. Tecnicamente falando, a Itamarati esteve cheia delas por algumas décadas. Também vamos resgatar a história do Helicoca e, em uma análise mais profunda, o que o Duplo Expresso chama de Evangelistão do Pó.
A história fica mais cabeluda se explorarmos a fundo o elo de Andrés Guzmán Heredia com Olacyr de Moraes. Andrés Gusmán era considerado na Bolívia um operador de esquemas de contratos públicos nos quais o governo boliviano investia em empresas brasileiras próximas da falência como a Vasp, D’Andreia (uma empresa agrícola de São Paulo, grande nos anos 90). Guzmán também negociou um contrato da OAS para a construção de uma estrada entre Beni e Cochabamba que cruzaria um Parque Nacional, o que é ilegal na Bolívia[5].
Andrés Guzmán Heredia, muito próximo de Olacyr de Moraes, é também associado a “massacre de Porvenir”[6], ocasião em que cocaleiros de militância política do MAS foram assassinados em Pando. A consequência do assassinato foi que traficantes internacionais de cocaína pudessem se estabelecer na província.
No caso das madeiras, é comum que empreendimentos agrícolas rústicos sirvam como espaço para o “esfriamento” dessas madeiras antes de irem para o mercado internacional. Deve-se lembrar que a madeira ilegal movimenta cerca de R$ 100 bilhões por ano no mundo e vem de três fontes: Amazônia, Sudoeste Africano e Sudeste Asiático. O próprio Riva, um dos envolvidos no esquema do Banestado, construiu seu império a partir de Alta Floresta neste ramo[7], mas também mexendo com garimpo[8].
No caso de Olacyr de Moraes, o seu império foi construído desde os anos 1960, com grande impulso durante os anos iniciais da ditadura militar. Conta a história que Olacyr “bombou” na soja quando o mercado ficou favorável do Brasil após os EUA terem grandes perdas em sua safra.
Chama muita atenção o fato de muitos empreendimentos de Olacyr terem rendimento baixo ou mesmo darem prejuízo aos investidores. Na narrativa oficial, inclusive em notas e editoriais escritos por Monica Bergamo e Leonardo Attuch, a causa do declínio da fortuna de Olacyr é sempre atribuída a externalidades ou “más decisões”. O filho mais velho, por exemplo, nunca quis mexer nos negócios do pai, por considerarem “arriscados demais”. A narrativa em todos os meios é da “tragédia” de Olacyr, que passou de bilionário a mero milionário.
Em uma tese da Fundação Getúlio Vargas, intitulada “Bancos Estaduais: “Criação de moeda e ciclo político”, de 1996[9], a autora explora empréstimos concedidos por bancos estaduais no Brasil. Especificamente quando comenta sobre o Banestado, Olacyr é diretamente citado como um empresário que recebe sucessivos empréstimos que não dão retorno algum ao banco. Na verdade, a autora pontua que não existe justificativa técnica e econômica para conceder empréstimos a empresários e empresas que possuem sucessivos anos acumulados de prejuízo.
Que contradição! Como ao mesmo tempo um dos homens mais ricos do Brasil por conta de sua heróica trajetória, por conta de sua “imensa habilidade para os negócios”, possui empreendimentos cujos prejuízos somam a casa dos bilhões? Se os empreendimentos dão tantos prejuízos, como ele pode ser um bilionário?
A mídia hegemônica tem um desinteresse especial pela fortuna de Olacyr. Simplesmente não aponta como o homem mais rico do Brasil, o rei da soja chegou até onde chegou, mas em dado momento “não conseguiu pagar aos seus credores” e “perdeu tudo”. Ninguém se preocupou em pesquisar CNPJs, documentos, nenhum trabalho investigativo.
Ao mesmo tempo os investimentos de Olacyr não eram arriscados. Cana, soja, boi. Ferrovias, construtoras. Hidrelétricas e até um banco, o Itamarati. São empreendimentos que na colônia sempre serão rentáveis. No entanto, os de Olacyr sempre deram prejuízo. Quanto mais tomava prejuízos, mais ele conseguia generosas linhas de financiamento em bancos públicos. De prejuízo em prejuízo, Olacyr e alguns da cena política, como Antero Paes de Barros e Sergio Ricaro, ficaram ricos. Um belo case!

5. Por que Antero Paes de Barros enterrou a CPI do Banestado?

A resposta é fácil: porque Antero estava no esquema.
Antero Paes de Barros é figura política notória no Estado de Mato Grosso. Atualmente possui seu programa “político” na rádio chamado “O Programa do Antero”. Ali, faz suas elucubrações da política local e manda seus recados. Antero é apadrinhado de Dante de Oliveira, governador de Mato Grosso (PSDB-MT) que morreu ainda nos anos 1990. Possui relação com toda a cena política em Mato Grosso: Silval Barbosa, Maggi, Antônio Joaquim, Sérgio Ricardo e, claro, com Olacyr de Moraes.
A relação de Antero Paes de Barros, parlamentar que enterrou a CPI do Banestado, e Olacyr de Moraes, nome central nas CC-5 do Banestado em Mato Grosso, é promíscua. Em 1994, Dante de Oliveira e Antero Paes de Barros concorreram pelo PDT ao governo e ao senado por Mato Grosso, respectivamente. A gestão financeira de ambas campanhas era realizada pela mesma pessoa (Porto) e as fontes de financiamento da campanha eram as mesmas (Olacyr de Moraes).
Ainda em 1994, a grande mídia revela o esquema Constran / mala de dólares. Neste esquema, o governo de Mato Grosso emprestou R$ 20 milhões do banco Itamarati (de Olacyr) para pagar a empreiteira CONSTRAN por “dívidas” que o Estado em tese tinha com a construtora, também de Olacyr de Moraes. Em retribuição, Dante e Antero receberam U$ 6 milhões e puderam pagar as custas de sua campanha.
Durante o governo Dante, Antero Paes de Barros foi, pasmem-se, secretário de comunicação durante o escândalo da “Secom-Gate”, onde Antero supostamente coordenou repasses escandalosos para TV CNT / Grupo Gazeta e para a afiliada local da Rede Globo. A nota do Grupo Gazeta defendendo Antero Paes de Barros é praticamente um recibo[10]. O processo contra o Senador foi arquivado. Importante lembrar que além da CONSTRAN, a Rede Globo e o Gazeta Mercantil também constam nas CC-5.
Tantas coincidências, principalmente em relação à presença de Olacyr de Moraes e da CONSTRAN nas CC-5 devem explicar a ação pragmática de Antero Paes de Barros para acabar com a CPI do Banestado de alguma maneira. Antes de dar encerramento súbito à CPI, houve uma guerra entre PT (José Mentor) e PSDB (Antero Paes de Barros) para ver qual dos partidos produzia o melhor relatório que destruísse o inimigo. Nada aconteceu.
Obviamente o relatório do tucano Antero Paes de Barros não mencionava o banco Itamarati ou algo de Olacyr enquanto o relatório do petista José Mentor queria anistia de transferências e remessas enviadas ao exterior. Essa é a síntese perfeita do sistema PT-Tucano.
Corre a boca solta que Antero continua lavando seus dividendos fazendo grilagem de terras em Mato Grosso[11].

6. Onde termina o Ciclo da lavagem de dinheiro?

Estudar a trajetória de Olacyr de Moraes e suas relações com políticos como Antero Paes de Barros em Mato Grosso nos ajuda a entender como o capitalismo brasileiro funciona. Olacyr não tem dinheiro de herança, é um dito self-made-man e por isso mesmo é tido como herói do capitalismo brasileiro, digamos assim. Sua entrada como multi-empreendedor no agronegócio só foi possível pelos programas de incentivos fiscais ao agronegócio, que tiveram especial aporte nos anos iniciais da ditadura. Entretanto, o que é comum a todos os empreendimentos de Olacyr, além da grandeza, é que todos eles contam com incentivos e “acordos” realizados com o governo de Mato Grosso e o governo brasileiro.
A própria aquisição de propriedade tão enorme quanto a fazenda Itamarati chama atenção. Com qual capital inicial? Sem grupos de investidores? Claramente, na trajetória deste capitalista houve necessidade de estruturação de seus empreendimentos pelo próprio Estado. É notável que esquemas como o do Banestado se prestem à corrupção ativa mas também não é possível separá-los do modo como estes bancos realizam seus investimentos.
Disso, tira-se uma conclusão fundamental: não existe capitalismo sem Estado. Se o Estado não fosse o provedor de parte considerável do capital fixo mas também de investimento, não existiria Itamarati, nem hidrelétrica do Juba, nem Ferronorte. Olacyr argumenta, por exemplo, que o governo o abandonou no projeto da Ferronorte, e que teve que “tirar do seu próprio bolso para completar a Ferrovia”. A não ser que você acredite que Olacyr de Moraes pessoalmente criou a demanda para soja, milho, algodão, ferrovias e energia elétrica, não há nada de tão ousado em seus empreendimentos quando tiramos os múltiplos auxílios do Estado que recebeu.
Alguns poderiam argumentar que a Itamarati abrigou experimentos agronômicos de sucesso, porém certamente o capitalista não se arriscaria em tentar novas variedades de algodão se não fosse pela própria iniciativa governamental da Embrapa e generosos incentivos do governo Estadual e Federal para fazê-lo.
A própria Usina Itamarati seria inviável sem o incentivo estatal. O mesmo para a Ferronorte. Os empreendimentos de Olacyr de Moraes são tão enraizados no Estado e tão dependentes deste, que nos anos 1980 construiu duas hidrelétricas próximas a grande fazenda Itamarati, na chapada dos Parecis. Para barrar o rio e ter garantido que o suprimento excedente de energia fosse adquirido, fez um “acordo” com o Governo de Mato Grosso. Quem compraria a energia excedente das hidrelétricas do Juba seria justamente as Centrais Elétricas Mato Grossenses – CEMAT, que também aparece nos esquemas das CC-5 do Banestado.
Dessa forma, a atividade do capitalista se arraiga de maneira inseparável com o Estado brasileiro de três maneiras:
1) o Estado é o fomentador do investimento inicial e também fornecedor de empréstimos vultuosos e absurdos, mesmo para empresas que entram anos sucessivos em prejuízo, como a Usina Itamarati e outros empreendimentos de Olacyr;
2) o capitalista que é abençoado com tais empréstimos, concessões ou isenções é livre para operar financeiramente, inclusive adquirindo mais empreendimentos, desviando o dinheiro ou comprando políticos. Não há auditoria dos bilhões (ou trilhões) que capitalistas como Olacyr tenham recebido do estado, em especial nos anos da ditadura;
3) o Estado não cobra tais dívidas, raramente reintegrando posse de propriedades afundadas em bilhões de débitos. Dessa forma o empresário ainda tem uma última chance de “vender” aquela empresa (ou suas ações, abrindo o capital da empresa), como se o próprio capital fixo da empresa não fosse um patrimônio do Estado.
Em relação a este terceiro ponto, foi exatamente o que aconteceu com vários empreendimentos de Olacyr, principalmente depois de sua morte. A Itamarati, as hidrelétricas do Juba e tantos outros empreendimentos, como a Ferronorte e a CONSTRAN, são empresas de capital aberto, controladas por acionistas em grande parte estrangeiros. Quando não estrangeiros, o ex-dono compra boa parte das ações tornando-se um rentista.
O ciclo vicioso de entrada de dinheiro sujo, lavagens, empréstimos suspeitos, investimentos sem critério e isenções fiscais provenientes do dinheiro público está completo. O capitalista e seus herdeiros estão livres para virar rentistas.
Consta dizer que, na reestruturação da Itamarati, que passou a se denominar UISA, empresa de capital aberto, a empresa faturou 734 milhões de reais na safra 2018/2019. É bizarro pensar que uma produtora de commodities como açúcar e álcool possa ter prejuízos sucessivos. Mas enquanto esteve vivo, a Usina Itamarati deu prejuízo a Olacyr, chegando a acumular dívidas de bilhões com os “credores” (que em muitos casos são os bancos estatais). Como pode um negócio tão lucrativo dar prejuízo, é uma pergunta que só Olacyr, ou talvez Antero Paes de Barros, Riva, Silval, Maggi e outros, possam nos responder.
Nas palavras do próprio Olacyr de Moraes ao roda-viva, nos anos 1990: “temos que mudar a constituição de 1988, que está desatualizada com a queda do muro de Berlim, e abrir o país para o investimento estrangeiro”. Isso explica e sintetiza o pensamento da burguesia brasileira e a impossibilidade de se aplicar um desenvolvimentismo da forma como quer Ciro Gomes. O sonho da nossa burguesia é se tornar rentista.

7. Para puxar o fio: O assassinato de Andrés Guzmán Heredia

Um caso relativamente recente, de 2014, chama atenção, que é o assassinato de Andrés Guzmán, ex senador boliviano , “sócio” e amigo de Olacyr de Moraes. Andrés foi assassinado pelo próprio motorista de Olacyr, após pegar um empréstimo de R$ 400 mil. Segundo o motorista de Olacyr, ele assassinou Andrés Guzmán pois este “extorquia” demais seu chefe e ele tinha pena do patrão.
Explorar essa conexão é essencial pois Andrés operava esquemas semelhantes ao do Banestado e Odebretch na Bolívia, em intensa relação com Olacyr de Moraes e também com outros empresários paulistas[12] . Além disso Andrés, grande conhecedor da fronteira Bolívia-Brasil também possui indícios de relações íntimas com o narcotráfico internacional na Bolívia, conforme já apurou o veículo “Sol de Pando” (ver notas no fim do texto, ver também seção 4 deste texto).
Este fio tem de ser puxado. Andrés foi assassinado pelo motorista de Olacyr logo em posse de um empréstimo de R$ 400.000. Segundo o motorista, não era empréstimo, era extorsão. Se o motorista estiver correto, por que Andrés Guzmán chantageava Olacyr?[13]
Notas, fontes e referências:
  1. O nome de Pedro Taques e todos os personagens do relato a seguir se encontram na política local de Mato Grosso nas últimas duas décadas. “Antero era inimigo visceral de Pedro Taques, basta olhar as gravações das CPI do Banestado e Pedro Taques detonava Antero aos quatro cantos do Brasil acusando-o de participar do crime organizado e da máfia do jogo do Bicho”, elenca Éder Moraes, ex secretário de Fazenda de MT e conhecedor profundo da política local.https://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=286100&noticia=eder-chama-mendes-de-wilson-piorado-e-usa-antero-para-apontar-contradicao-de-blairo-e-taques 
  2. https://g1.globo.com/politica/noticia/fab-intercepta-aviao-com-cocaina-que-decolou-de-fazenda-da-familia-de-blairo-maggi.ghtml . A reportagem diz que a Força Aérea Brasileira (FAB) interceptou o avião com pó. Fico me perguntando se não foi pra tirar sua cota habitual. 
  3. É necessário verificar se o CNPJ “Itamarati Participações S/C” (00.125.156/0001-07), que possui mais de R$ 200 milhões apontados em sua CC-5 é também de Olacyr de Moraes. 
  4. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0503200505.htm 
  5. O veículo boliviano “Sol de Pando” traça um excelente perfil de Andréz Guzman, incluindo suas conexões com empresários paulistas e com o assassinato cometido pelo motorista de Olacyr de Moraes. http://www.soldepando.com/httpwww-soldepando-comp20982/ 
  6. http://www.soldepando.com/chito-lopez/ 
  7. https://www.oeco.org.br/reportagens/23959-madeira-ilegal-no-mato-grosso/ – Esposa de Riva é presa por esquema com madeira ilegal. 
  8. https://www.gazetadigital.com.br/editorias/politica-de-mt/socios-e-parentes-de-politicos-mineram-fortunas-em-mato-grosso/559238 – As fortunas da mineração: Mauro Mendes (atual governador) e José Riva. 
  9. Paes JPP. 1996. Bancos Estaduais, “criação” de moeda e ciclo político. Dissertação de mestrado: Fundação Getúlio Vargas. 
  10. https://www.gazetadigital.com.br/editorias/opiniao/secomgate-da-falacia-a-justica/21192 
  11. https://matogrossomais.com.br/2020/01/23/juiza-anula-titulo-de-lotes-de-sitio-de-esposa-de-antero-em-santo-antonio/ 
  12. O veículo boliviano “Sol de Pando” traça um excelente perfil de Andréz Guzman, incluindo suas conexões com empresários paulistas e com o assassinato cometido pelo motorista de Olacyr de Moraes. http://www.soldepando.com/httpwww-soldepando-comp20982/ 
  13. https://blogdochicopereira.com/web/historia-nada-republicana/ 
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