Para que não se esqueça, não se repita: a Operação Janus, anulada pelo TRF1
Depois da humilhação da condução coercitiva, de dezenas de manchetes de jornais avalizando a denúncia, o juiz constatou que Lula estava longe dos fatos e não participou da assinatura e dos contratos.
Anulada ontem, a Operação Janus – do Ministério Público Federal do Distrito Federal – seguiu o esquema padrão da Lava Jato.
Primeiro, levanta uma operação que guarde qualquer relação com Lula. Pode ser um emprego passado de um irmão de Lula em alguma empreiteira, o pagamento de um plano de saúde. Ou, como no caso, um contrato entre a Odebrecht e um sobrinho da primeira esposa de Lula.
Depois, liga o caso aleatoriamente a qualquer operação da empresa com o setor público – no caso, o financiamento junto ao BNDES para obras em Angola. Não é necessário mais nada. Abre-se uma nova denúncia, uma nova condução coercitiva, uma condenação pública através da mídia.
Para quem acredita que as ameaças ao Estado de Direito começaram com Jair Bolsonaro, é bom relembrar o Estado de Exceção que vem vigorando há anos.
A dobradinha com a mídia
Os estratagemas convalidados pelo Estado de Exceção seguia esquema padrão.
Primeiro, uma reportagem detalhada, muitas vezes com dados enviados pelo próprio Ministério Público. Provavelmente, foi o modelo adotado na Operação Janus. a matéria inicial do tema, publicado pela Veja em 28 de fevereiro de 2015.
A reportagem seguia o padrão Veja daqueles tempos: “O personagem ao lado, com ar de Che Guevara playboy, se chama Taiguara Rodrigues dos Santos.: “O personagem ao lado, com ar de Che Guevara playboy, se chama Taiguara Rodrigues dos Santos. É figura conhecida na rede de negócios de empresas brasileiras em Cuba, na África e na Europa”. A revista atribui seu sucesso ao fato de ser filho do Lambari, irmão da primeira esposa de Lula.
Escondida na matéria, a informação Odebrecht de que Taiguara nunca prestara serviços em Cuba.
Com base na reportagem, os procuradores abrem um PIC (Procedimento de Investigação Criminal) e vai tirando conclusões que interessam, independentemente da maior ou menor verossimilhança:
“Também nesse contexto, o ex-Presidente passou a realizar inúmeras viagens a países da África e América Latina, a convite da empresa ODEBRECHT, a pretexto de proferir palestras para empresários e agentes de governo estrangeiros, com o propósito de intensificar as relações comerciais/econômicas/empresariais entre o Brasil e tais países, tarefa que o próprio LULA, em declarações prestadas a este órgão, classificou como “natural” e “normal”, vez que assemelhadas a tarefas realizadas igualmente por outros ex-chefes de Estado do mundo inteiro.
(…) Todavia, apesar de formalmente justificados os recursos recebidos a título de palestras proferidas no exterior, a suspeita, derivada inicialmente das notícias jornalísticas, era de que tais contratações e pagamentos, em verdade, prestavam-se tão somente a ocultar a real motivação da transferência de recursos da ODEBRECHT para o ex-Presidente LULA”.
Simples assim.
Com base nas notícias, a Operação Janus foi deflagrada em maio de 2016. E deflagrada com condição coercitiva do filho do Lambari.
A denúncia dizia que, entre 2012 e 2015, a Odebrecht contratou a Exergia Brasil. A investigação da Polícia Federal queria saber porque a contratação de uma empresa de construção civil de pequeno porte para “a realização de obras complexas em Angola”.
Pelos trabalhos na hidrelétrica de Camambe, em Angola, a Exergia recebeu R$ 3,5 milhões. Segundo o procurador do DF, o Odebrecht teria recebido do BNDES US$ 464 milhões.
Um ano antes, Taiguara foi convocado para a CPI do BNDES. O release produzido pela Câmara, um primor de criminalização por parentesco, dizia que “conhecido como sobrinho de Lula, porque seu pai é irmão da primeira mulher do ex-presidente”, Taiguara admitiu manter contato com seu tio e ser amigo do seu primo”. Alvíssaras.
Quando Tarcisio foi indiciado, Veja celebrou seu furo e trouxe a prova definitiva, uma mensagem levantada do WhatsApp de Tarcisio:
Taiguara: Hoje quando o HOMEM me ligou fiquei felizão
Taiguara: Mandei SMS e 05 segundos ele ligou
Taiguara: Quarta estarei com ele .
Confirmado: o sobrinho conversava pelo WhatsApp com o tio.
Assinada por Luciana Loureira Oliveira, Ivan Cláudio Marx e Francisco Guilherme Vollstedt Bastos, a denúncia tem 166 páginas. E chegou ao requinte de incluir na denúncia “outras vantagens indiretas”, como R$ 10 mil pagos pela Odebrecht para quitar um plano de saúde de Frei Chico, irmão de Lula, que trabalhava para a empresa havia décadas. Ah, e mais R$ 10 mil em combustível.
É um bom exemplo dos subterfúgios utilizados pela ditadura do MPF da época para impor versões.
Lula estava fora do governo. Era o dirigente político mais popular do planeta, com ampla penetração na África, América Latina e Central. Como tal, tornou-se o garoto-propaganda preferencial da expansão internacional das empreiteiras brasileiras.
Daí a razão da criação do Instituto Lula, com o foco voltado para África e América Latina. O Instituto ajudaria a preservar o legado de Lula e a consolidação das empreiteiras brasileiras no exterior.
Era uma atividade exclusivamente privada, de um ex-presidente. Da mesma maneira que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, contratado por bancos para palestras em países da Ásia. Da mesma maneira que Bill Clinton, Jacques Chirac e todos ex-presidentes com prestígio internacional.
É bem provável que, valendo-se desse prestígio, Lula tenha indicado à Odebrecht a empresa do filho do Lambari. Não há nada de ilegal nisso. Era uma troca envolvendo interesses privados.
Do mesmo modo, o BNDES dispunha de uma linha específica para financiamento da exportação de serviços de empresas brasileiras. E a Odebrecht era uma das campeãs nacionais, habilitadas a receber o financiamento. Não seria necessário a Odebrecht pagar R$ 10 mil do plano de saúde do irmão de Lula, para ter acesso ao financiamento.
Em outubro de 2016, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10a Vara Federal, em Brasília, aceitou integralmente a denúncia, acusados dos crimes de organização criminosa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência.
“Me convenço da presença de todas as condições de procedibilidade para que seja aceita a ação penal pública incondicionada em face de todos os réus antes nominados. Essas considerações e outras específicas constantes da denúncia levam-me a crer que se trata de denúncia plenamente apta, não se incorrendo em qualquer vício ou hipótese que leve à rejeição, até por descrever de modo claro e objetivo os fatos imputados aos denunciados, individualmente considerados, em organização criminosa, lavagem de capitais e corrupção”.
A partir daí, é só aguardar o julgamento da mídia:
No dia 24 de julho de 2019, quando o macarthismo já tinha sido aplainado pela concretização do impeachment e pela eleição de Jair Bolsonaro, o juiz Vallisney isentou Lula dessas acusações.
Depois da humilhação da condução coercitiva, de dezenas de manchetes de jornais avalizando a denúncia, o juiz constatou que Lula estava longe dos fatos e não participou da assinatura e dos contratos.
“Há ainda evidências de que não executou nem acompanhou a obra, não estando devidamente clara a descrição do delito e suas circunstâncias”, escreveu.
Ontem, o TRF-1 anulou definitivamente as investigações por falta de elementos.]
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