Alceu Luís Castilho. Partido da terra: como os políticos conquistam o território
brasileiro.
São Paulo: Contexto, 2012.
Antonio Gasparetto Júnio
Alceu Luís Castilho. Partido da terra: como os políticos conquistam o território brasileiro
São Paulo: Contexto, 2012. Antonio Gasparetto Júnior
Alceu Luís Castilho. Partido da terra: como os políticos conquistam o território
brasileiro.
São Paulo: Contexto, 2012.
Antonio Gasparetto JúnioAlceu Luís Castilho. Partido da terra: como os políticos conquistam o território
brasileiro.
São Paulo: Contexto, 2012.
Antonio Gasparetto Júnio
A infuência política dos grandes proprietários de terra no Brasil é de longa
data. Passando pelo período colonial, imperial ou republicano, os latifundiá-
rios exerceram, ou ainda exercem, poder considerável. Alguns clássicos da li-
teratura já procuraram demonstrar a amplitude do poderio desses indivíduos.
A começar por Raymundo Faoro, autor de Os donos do poder (publicado em
1958), que aborda toda a história luso-brasileira desde 1385, argumentando
como se formou uma estrutura de dominação no Estado patrimonialista por-
tuguês, que foi transferida para o Brasil. Durante grande parte desse período,
ele argumenta que certo “estamento burocrático” fez o possível para ganhar
ascendência sobre o resto da sociedade e que sua vitória parecia mais clara
no reinado de Dom Pedro II, uma vez que, segundo Faoro, os conservadores
venciam os liberais, os quais o autor identicava como os proprietários de
terra. No entanto, a República inverteria essa lógica, colocando os fazendeiros
no poder. A extensa obra de Raymundo Faoro tornou-se um clássico na his-
toriograa, muito embora tenha sido criticada e questionada posteriormente.
Um de seus críticos, Richard Graham, argumentou que as autoridades, fossem
elas nacionais ou locais, sempre foram muito sensíveis aos interesses agrários,
mesmo quando não eram elas próprias as proprietárias de terra.
Outro texto clássico acerca da inuência dos donos de terra foi publicado
em 1948 por Victor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto é ainda hoje
importante referência no debate sobre o coronelismo no Brasil. No entanto,
diferentemente da abordagem mais ampla e nacional de Raymundo Faoro,
Leal se dedicou ao estudo do poderio exercido por proprietários de terra
em âmbito municipal. Os fazendeiros conquistaram legalmente o título de
Revista Brasileira de Ciência Política, nº16. Brasília, janeiro - abril de 2015, pp. 295-300.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-335220151612
RBCPed16.indd 295 13/04/15 16:01
296 Resenha
coronel ainda no Império, mesmo sem estarem vinculados à carreira militar,
e, na República, foram elementos fundamentais no funcionamento de uma
estrutura de dominação criada no governo do presidente Campos Sales
chamada de “política dos governadores”.
Esses exemplos bibliográcos apenas ilustram a produção acadêmica
clássica sobre o poder acompanhado da posse de terra na história do Brasil.
Uma leitura rápida de nosso passado já é capaz de nos oferecer uma com-
preensão satisfatória do poder da terra. Para isso, basta lembrar que o Brasil
colônia foi dividido em capitanias hereditárias e que sua produtividade era
fundamentada pelo sistema de plantation, ou seja, grandes latifúndios pro-
duzindo para a metrópole Portugal. Outro elemento já datado dessa época
oferece uma compreensão também para os séculos seguintes: a monocultura.
Se, no período colonial, a cana-de-açúcar era o principal produto dessas ter-
ras, o café seria o novo protagonista da monocultura durante o Império e a
Primeira República. Ou seja, durante mais de quatro séculos nossa economia
foi pautada pela produção agrária monocultora, nos revelando muito sobre
o poder que esses proprietários de terra viriam a exercer até hoje no Brasil.
Muito embora a economia brasileira tenha se dinamizado a partir da
era Vargas, a monocultura tenha sido superada e a industrialização tenha
ganhado espaço, são as commodities que ainda representam grande parte
das nossas exportações. Café, soja, laranja e gado estão entre os principais
responsáveis pelo nosso crescimento econômico e pela inserção do país
no mercado internacional. Ainda que a gura do coronel já não seja mais
tão evidente na sociedade brasileira, os proprietários de terra mantiveram
seu espaço político brigando por seus interesses e privilégios no Congresso
Nacional. É isso que o livro do jornalista Alceu Luís Castilho, publicado em
2012 pela editora Contexto, vem demonstrar. Com base em quase 13 mil
declarações de bens entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de políti-
cos eleitos, Castilho fez um mapeamento preciso dos donos de terra no país,
revelando dados e histórias surpreendentes de quem são, quanto eles têm e
de como eles agem. Sua pesquisa considerou os políticos eleitos em 2008 e
em 2010, ou seja, incorporou os níveis federal, estadual e municipal. Ainda
que o autor declare não se tratar de uma obra acadêmica, sua pesquisa analisa
uma grande quantidade de dados que são valiosos para a Ciência Política e
também para a recente história brasileira, revelando casos de desigualdade,
violência, abuso de poder, corrupção e de agressão ao meio ambiente.
RBCPed16.indd 296 13/04/15 16:01
297
Resenha
O livro está dividido em cinco partes, com abordagens sobre o território, o
dinheiro, a política, o ambiente e os que denomina excluídos. No decorrer de
suas 240 páginas, a obra revela nomes e partidos que protagonizam casos de
agressividade, desrespeito, exploração e, sobretudo, impunidade. Sua leitura
expande consideravelmente nossa capacidade de interpretação da política
atual e de seus bastidores. Entendemos também que os interesses pessoais
estão, na maioria das vezes, acima de qualquer ideologia.
Partido da terra oferece muitas contribuições sobre a realidade que nos
cerca. Em primeiro lugar, revela que o arco do desmatamento, que também
inclui matança de camponeses e trabalho escravo, coincide com o arco de
posse de terras dos políticos latifundiários. Esses políticos com muitas terras
estão espalhados por quase todos os partidos, sejam eles mais afeitos à direita
ou à esquerda. Nesse sentido, PMDB, PSDB e PR são os líderes dos proprie-
tários com mais hectares no país. Uma tendência natural, uma vez que inclui
partidos oriundos da extinta ARENA, que congregava no período de 1965
a 1979 grande parte dos latifundiários. No entanto, partidos criados em um
contexto mais urbano e identicados com uma ideologia mais à esquerda,
como PPS, PSB e PT, também passaram a contar em seus quadros com
proprietários de terras, congurando uma nascente “esquerda latifundiária”.
A primeira parte do livro apresenta uma radiograa, nas palavras do
próprio Castilho, da posse de terra dos políticos. O autor levantou 2,03 mi-
lhões de hectares declarados no TSE, no valor de 1,37 bilhão de reais. Mas,
segundo estimativas, cerca de mais 1 milhão de hectares não foi declarado,
apresentando somente o valor total de 0,785 bilhão de reais. Em síntese,
considera-se que os políticos eleitos em 2008 e em 2010 são proprietários
de 3,3 milhões de hectares, o que resulta em 2,16 bilhão de reais. Ainda
sim, esses dados são baseados apenas em declarações formais feitas ao TSE
nos respectivos anos, já que, além daqueles que não declararam a extensão
de suas propriedades, há políticos que declararam valores extremamente
questionáveis de suas terras. Dentro desse grupo pesquisado, 31 políticos
apareceram com propriedades de mais de 10 mil hectares cada e estão
distribuídos da seguinte forma: seis do PSDB, seis do PR, seis do PMDB,
três do PP, dois do DEM, dois do PPS, dois do PDT, um do PT, um do PSB
e um do PTB.
Outro fenômeno curioso sobre a propriedade de terras é que os políticos
brasileiros possuem mais de 375 mil hectares fora de suas respectivas Uni-
RBCPed16.indd 297 13/04/15 16:01
298 Resenha
dades da Federação. Essas informações revelam a ocupação do Norte e do
Centro-Oeste por políticos de outras regiões do país, sejam eles deputados,
governadores, senadores ou prefeitos. Uma das localidades mais exploradas
é o estado do Pará, onde a pecuária ocupa posição central nos conitos por
terra e nas ameaças de desmatamento da Amazônia legal. E, particularmente,
o estado possui um dono que é velho conhecido dos brasileiros, Jader Bar-
balho (PMDB). Este declarou ao TSE em 2010 uma fortuna de 4,58 milhões
de reais, valor extremamente defasado porque o político não tem o hábito
de atualizá-lo. Suas fazendas somam 13 mil hectares.
A segunda parte do livro dene melhor os personagens que conquistaram
o território brasileiro e como eles se comportam. Podemos conhecer algumas
histórias pitorescas de políticos que declararam suas terras ao TSE com o
valor de menos de 5 reais por hectare. São 46 propriedades nessa condição.
Alguns políticos apresentaram tamanho nível de prosperidade que poderiam
ser exemplo de empreendedorismo. Como é o caso de Newton Cardoso
(PMDB), que teria um patrimônio de 150 milhões de reais, e de Renan Ca-
lheiros (PMDB), que justicou seu grande enriquecimento com o negócio
do gado. Por sua vez, o livro relata as 25 maiores empresas do agronegócio
no país, com atividades que passam pela criação de frango, pelo plantio de
soja e de feijão, pela criação de gado e também pela mineração. O gado, em
destaque, inclui 500 mil cabeças de propriedade dos políticos, estando um
terço delas concentrado nas mãos de apenas 15 políticos. O “rei do gado”
entre os políticos é Nilo Coelho (PP), seguido muito de perto de Humberto
Coutinho (PDT).
A terceira parte do livro possui detalhes sobre a bancada ruralista, mos-
trando como ela vota, o nanciamento de campanhas e o posicionamento
perante o Código Florestal. Um levantamento de 2010 mostrou que um
grupo de 266 deputados e senadores eleitos no mesmo ano compunham a
chamada bancada ruralista, dos quais 59% estavam na base aliada do governo.
Castilho critica aqueles que acreditam que a bancada ruralista é superesti-
mada e defende seu argumento de que ela é, na verdade, subestimada. Ele a
considera quase uma instituição com letra maiúscula que age em função de
interesses privados, mais especicamente, do agronegócio. Em última ins-
tância, representam ainda algo pior, um “Congresso Ruralista”, como reexo
de uma sociedade patrimonialista, clientelista e violenta. Mesmo deputados
e senadores multados pelo Ibama participaram diretamente das decisões
RBCPed16.indd 298 13/04/15 16:01
299
Resenha
sobre as mudanças no Código Florestal brasileiro. Entre outras coisas, o
resultado nal reduziu a porcentagem da área impedida de desmatamento
na Amazônia legal, reduziu o limite de exploração próxima a margens de
rios de 30 para 15 metros e concedeu anistia a multas aplicadas pelo Ibama
antes de julho de 2008.
Não bastassem todas essas conquistas da bancada ruralista, Castilho de-
monstra como famílias se perpetuam no poder, transmitindo propriedades
e inuências de geração para geração e dominando até municípios inteiros.
Neste ponto, o autor utiliza o conceito de coronelismo para comentar sobre o
poder local de políticos e de suas famílias, baseando-se na referência teórica
de Victor Nunes Leal. Ao mesmo tempo que se constroem redes de inu-
ência e dominação com pessoas comuns, constrói-se também uma rede de
relações com empresas que injetam rios de dinheiro nas campanhas. Essas
empresas nanciam políticos que são eleitos a cada dois anos nos diferentes
níveis para representar seus interesses. Algumas delas já foram, inclusive,
acusadas de crimes ambientais, trabalho escravo e outras irregularidades.
São elas: a Xinguara Indústria e Comércio Ltda. e a COSAN, que, sozinha,
nanciou em 2010 a campanha de 22 candidatos à Câmara dos Deputados,
15 candidatos a deputados estaduais, dois governadores e dois senadores. O
grupo FRIBOI investiu 30 milhões de reais em campanhas políticas de 2010.
Entre os partidos mais beneciados estavam PTB e PR, o que revela uma
característica curiosa: os dois partidos estão entre os maiores proprietários
de terras no Congresso Nacional, logo, quem tem mais terra recebe mais
dinheiro das empresas.
A quarta parte do livro aborda a questão ambiental e aponta um levanta-
mento inédito: 69 madeireiras e serrarias pertencem a mais de 60 políticos.
Neste quesito, muitas dessas empresas não têm o menor pudor na exploração
da Amazônia. Há casos graves no Pará, em Rondônia, no Mato Grosso e no
estado do Amazonas. Como já comentado, o arco do desmatamento coincide
com o arco de posses e de expansões das empresas de políticos brasileiros.
Por m, a quinta parte do livro discorre sobre a exploração de seres
humanos tratados como escravos. Lamentavelmente, a lista de políticos en-
quadrados em suspeitas ou que estão sendo julgados por esse tipo de crime é
grande. Mais assustador ainda é saber que os casos se espalham por todas as
regiões do país. Quando os interesses privados são diretamente questionados,
a morte é um recurso não incomum. Há casos emblemáticos em nossa histó-
RBCPed16.indd 299 13/04/15 16:01
300 Resenha
ria recente como os assassinatos de Chico Mendes, da missionário Dorothy
Stang, os massacres de Corumbiara e de Eldorado do Carajás e a execução
de líderes camponeses na Paraíba. Todos casos narrados nessa parte do livro,
revelando o envolvimento dos políticos em cada situação. E, completando o
grupo daqueles que o autor chama de excluídos, estão os ameaçados, pessoas
que estão sob a mira de jagunços de prefeitos e deputados.
Em suma, Alceu Luís Castilho narra uma história política e também de
políticos que possuem parte considerável do território brasileiro. Seguindo
uma linha já explorada em outras pesquisas acadêmicas, demonstra que a
rede de poder começa no poder local e se estende até a capital federal. O
autor defende a tese de que existe mais do que uma bancada ruralista no
Brasil, existe, sim, um sistema político ruralista. Sua obra nos traz impor-
tantes dados e informações que enriquecem nosso conhecimento sobre as
origens agrárias do Estado brasileiro, para recordar outro grande clássico da
literatura brasileira de autoria de Octavio Ianni: Origens agrárias do Estado
brasileiro, publicado em 1984.
Referências
FAORO, Raymundo (2012 [1958]). Os donos do poder: formação do patronato
político brasileiro. 5. ed. São Paulo: Globo.
IANNI, Octavio (1984). Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo:
Brasiliense.
LEAL, Victor Nunes (2012 [1948]). Coronelismo, enxada e voto – o município
e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
(PDF) Alceu Luís Castilho. Partido da terra: como os políticos conquistam o território brasileiro. Available from: https://www.researchgate.net/publication/276444383_Alceu_Luis_Castilho_Partido_da_terra_como_os_politicos_conquistam_o_territorio_brasileiro [accessed Jun 30 2018].
0 comentários:
Postar um comentário