19 de nov. de 2018

Nomeação de novo chanceler faria sentido se vivêssemos na Idade Média, diz professor da UFABC

Nomeação de novo chanceler faria sentido se vivêssemos na Idade Média, diz professor da UFABC

Ernesto Araújo, o novo ministro das Relações Exteriores, está há 29 anos na carreira diplomática e nunca comandou uma embaixada, apesar de já ter servido em Washington

LUCAS ESTANISLAU E LUCAS BERTI

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O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) anunciou na última quarta-feira (14/11) o diplomata Ernesto Araújo como novo ministro das Relações Exteriores. Para Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), a nomeação do novo chanceler representa “uma ofensa ao Itamaraty” e só faria sentido se "vivêssemos na Idade Média".
"Ernesto Araújo faz uma defesa surreal da 'fé em Cristo' como elemento norteador da política, seja lá o que isso signifique na prática. Sua indicação faria sentido se ainda vivêssemos na Idade Média, e não em pleno século 21", diz Fuser.
Segundo o professor, "asneiras desse teor, misturadas com um antiesquerdismo patológico, no nível dos torquemadas mais delirantes do macartismo, constam publicadas em seu blog" e significam "exatamente o contrário de todo o pensamento de política externa que vem sendo construído pela diplomacia brasileira há mais de um século”.
O novo chanceler
Ernesto Araújo, que está há 29 anos na carreira diplomática, nunca comandou uma embaixada, apesar de já ter servido em Washington. O novo ministro, que fez campanha abertamente a Jair Bolsonaro, ocupa o cargo de diretor do departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty e assume a chancelaria no dia 1º de janeiro de 2019. 
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o novo chanceler possui um blog onde fez campanha a favor do presidente eleito e chama o Partido dos Trabalhadores (PT) de “Partido Terrorista”.
Na página, o novo ministro afirma que quer  “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista”, a qual ele categoriza como “a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”.
Em artigo publicado em 2017,  Araújo defende “uma visão do Ocidente” proposta por Donald Trump. Segundo ele, o presidente dos EUA “propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. (…) Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história”.
Para Fuser, “se o novo chanceler quiser tornar realidade apenas 5% das ideias delirantes que defende, ocorrerá tamanha sucessão de catástrofes na diplomacia brasileira que ele não permanecerá no cargo mais do que dois meses”.
O professor ainda questiona a capacidade diplomática de Araújo em relação ao Mercosul e negociações comerciais com a China. “Dá para imaginar um personagem que parece um recém-chegado da Idade Média negociando acordos do Brasil com a União Europeia e com o Mercosul? Dá para imaginar essa criatura sentada à mesa com os diplomatas comunistas da China? Se ele tentar colocar em prática o que tem dentro da cabeça, as elites empresariais brasileiras vão intervir para restabelecer a normalidade no Itamaraty. E Araújo seguirá para alguma embaixada, em algum país católico, com uma linda catedral e um arcebispo de extrema-direita com quem ele possa compartilhar suas ideias e preconceitos, de preferência em latim”, diz Fuser.
Valter Campanato/Ag. Brasil
Ernesto Araújo, que está há 29 anos na carreira diplomática, nunca comandou uma embaixada
EUA e Venezuela
Para o advogado internacionalista Dorival Guimarães, coordenador do curso de Direito do Ibmec de Minas Gerais, as ideias de Araújo parecem concordar com temas propostos por Bolsonaro durante campanha, como a aproximação com os Estados Unidos, críticas à Venezuela e a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. 
Guimarães afirma que “há uma preocupação muito grande com relação à posição ideológica do diplomata indicado por Bolsonaro, justamente porque poderia indicar um alinhamento muito rápido, ou automático, com a política externa norte-americana. Isso porque Ernesto Araújo, que já viveu nos Estados Unidos, já manifestou em diversas vezes um apoio à política do governo Trump”.
“Segundo Araújo, Trump seria um líder de caráter mundial que representaria o ocidente na batalha contra extremismos religiosos, fazendo referencia tanto à questão do islamismo quanto, no âmbito político, no combate às iniciativas de esquerda”, destaca o advogado.
Guimarães também argumenta que uma aproximação contundente com Washington causaria “desconfortos” entre certas nações que possuem relações comerciais importantes com o Brasil, como a China.
“Essa aproximação mais intensa com os EUA pode representar uma mudança de percepção do Brasil por parte de outros países e parceiros econômicos do nosso país podem sinalizar certo desconforto com essa mudança. A China, por exemplo, nosso maior parceiro econômico, vê com certa desconfiança”, diz.
Na América do Sul, o advogado ressalta que os países vizinhos “podem temer que isso gere uma polarização e uma mudança de viés nas relações”, e espera que “o Brasil não perca o foco com seus parceiros do sul, dos BRICs e que possa manter um posicionamento de independência”.
“Se o caminho for esse [aproximação com os EUA], o Brasil intensificará as relações norte-sul, bilaterais, que são, é claro, um excepcional mercado consumidor, mas que, por outro lado, podem fazer com que o Brasil seja alinhado com o governo Trump. Existe sim essa preocupação”, conclui.
Com relação à Venezuela, Bolsonaro e seu chanceler dão indícios de que o Brasil assumirá a posição dos EUA no conflito.
Par o professor Fuser, "com Bolsonaro e seu chanceler americanófilo, com a cumplicidade do governo de extrema-direita da Colômbia e de outros atores internacionais, o Brasil se tornará ainda mais vulnerável às pressões de Washington para derrubar o governo do presidente Nicolás Maduro".
"Os Estados Unidos estão dispostos a derramar até a última gota de sangue colombiano para pôr fim à Revolução Bolivariana e com o sangue brasileiro sua atitude não será diferente", afirma o especialista.
Itamaraty
Segundo matéria publicada pela Reuters, a nomeação de Araújo causou uma reação negativa no Itamaraty. Fontes ouvidas pela agência de notícias afirmaram que houve "quebra de hierarquia e desrespeito à instituição".
"Nunca um chefe de departamento, um cargo de terceiro escalão, foi alçado a chanceler", avalia uma das fontes destacando que o novo ministro seria um diplomata "júnior" para ocupar o cargo.
A reportagem ainda destaca a preocupação de diplomatas com os posicionamentos muito próximos aos EUA. "Aos olhos do mundo, a política externa brasileira passará a ser comandada por um discípulo do trumpismo", afirma uma das fontes.
Para Fuser, “Ernesto Araújo é o que em inglês se chama de ‘freak’, ou seja, um sujeito extravagante, adepto de ideias bizarras, aberrantes" e sua nomeação é "uma piada de mau gosto e uma ofensa aos diplomatas do Itamaraty e à sociedade brasileira em geral”.
https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/54015/nomeacao-de-novo-chanceler-faria-sentido-se-vivessemos-na-idade-media-diz-professor-da-ufabc
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