28 de dez. de 2018

Talíria Petrone: -PSOL RJ - “estaremos ao lado das resistências populares e contra os velhos padrões” - PSOL

Talíria Petrone: “estaremos ao lado das resistências populares e contra os velhos padrões”

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A pouco mais de um mês da posse de Jair Bol­so­naro na pre­si­dência da Re­pú­blica, os de­bates pú­blicos se­guem em busca de ex­pli­ca­ções sobre a volta da ex­trema-di­reita ao poder em di­versos países, com toda a sua adesão po­pular. No en­tanto, de outro lado há a re­no­vação ou eclosão de novas formas de luta an­tis­sis­tê­micas. A res­peito desta nova di­nâ­mica com a qual pas­sa­remos a lidar, o Cor­reio en­tre­vistou Ta­líria Pe­trone, de­pu­tada fe­deral eleita pelo PSOL.

“Cabe dizer o que con­si­de­ramos re­no­vação da po­lí­tica. No nosso caso, é cir­cular pelos ter­ri­tó­rios, pe­ri­fe­rias, su­búr­bios e fa­velas, es­cutar a po­pu­lação que mais sofre com o su­ca­te­a­mento dos ser­viços pú­blicos”, afirmou.
  
Oriunda da mi­li­tância clas­si­fi­cada como iden­ti­tária, Pe­trone ex­plica que tais lutas ci­dadãs se ins­crevem no cír­culo das lutas po­pu­lares e de­mo­cra­ti­zantes, o que também sig­ni­fica que tocam nas ques­tões es­tru­tu­rais. “Quando nos afas­tamos da po­lí­tica abrem-se bre­chas para que a his­tória co­lo­nial se apre­sente como nova, mesmo sendo a mais velha de todas”.

Nesse sen­tido, co­me­mora o au­mento do nú­mero de mu­lheres eleitas para o Con­gresso, mas não se ilude com uma con­fluência em temas sen­sí­veis.

“A ban­cada fe­mi­nina não é a ban­cada fe­mi­nista, e muito menos a ban­cada do fe­mi­nismo po­pular (...) que en­campe a luta an­tir­ra­cista, das tra­ba­lha­doras do­més­ticas, a luta po­pular”, disse a de­pu­tada eleita, que também fez co­men­tá­rios sobre a tra­gédia do Morro Boa Es­pe­rança, com 15 mortos, em Ni­terói, onde foi ve­re­a­dora.

A en­tre­vista com­pleta com Ta­líria Pe­trone pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: Em li­nhas ge­rais, o que co­menta do pro­cesso elei­toral bra­si­leiro e do fu­turo pre­si­dente Jair Bol­so­naro?

Ta­líria Pe­trone: A de­mo­cracia bra­si­leira é muito jovem e in­com­pleta, nunca chegou ple­na­mente nas fa­velas, pe­ri­fe­rias e su­búr­bios. Mas sa­bemos que era essa a de­mo­cracia que que­ríamos apro­fundar para tais ter­ri­tó­rios e po­pu­la­ções e agora é en­ter­rada.

É ina­cre­di­tável termos ta­manho avanço con­ser­vador, tanto no Con­gresso como nas câ­maras es­ta­duais, a exemplo da ban­cada do PSL, ou das ban­cadas ru­ra­lista e da bala no plano fe­deral. É uma onda de ódio o efeito Bol­so­naro. E um de­safio pra nós, pois pelo voto po­pular jo­gamos no lixo a de­mo­cracia. Temos um pre­si­dente que pre­fere um filho morto a um filho gay, lembra da di­ta­dura e das tor­turas de forma sau­dosa... Aqui no Rio um go­ver­nador que fala em “atirar na ca­be­cinha e matar”...

Es­tamos di­ante da ex­pressão de uma grave crise da po­lí­tica de­mo­crá­tica. Nossa ta­refa é fazer a frente mais ampla pos­sível pra ga­rantir o cum­pri­mento dos pre­ceitos mais bá­sicos da cons­ti­tuição, di­reito à luta, à di­ver­gência... Por outro lado, cabe pensar de forma es­tra­té­gica: o que acon­teceu para o povo votar em Bol­so­naro.

Re­tornar aos ter­ri­tó­rios, en­con­trar e es­cutar esse povo tão afas­tado da po­lí­tica é ne­ces­sário à es­querda, pois quando a más­cara de Bol­so­naro cair, com sua agenda de pri­va­ti­zação e re­tro­cesso econô­mico para a vida dos tra­ba­lha­dores, te­remos de estar ao lado do povo para de fato cons­truirmos uma saída.

Cor­reio da Ci­da­dania: Muito se fala da fi­gura do ca­pitão re­for­mado, mas o que co­menta do Con­gresso, para o qual você também foi eleita?

Ta­líria Pe­trone: Na úl­tima le­gis­la­tura fa­lá­vamos do “con­gresso mais con­ser­vador desde 1964”. E esse novo con­gresso su­pera o an­te­rior. Só o PSL apa­rece com mais de 50 de­pu­tados fe­de­rais. Te­remos de fazer frente a este campo que mis­tura a ban­cada da bala, a ru­ra­lista e a fun­da­men­ta­lista, a tríade do Brasil co­lo­nial que ainda não acabou.

Parte dessa ul­tra­di­reita cresceu sobre o centro, mais fi­si­o­ló­gico, que perdeu es­paço, o que também am­pliou o es­paço do campo pro­gres­sista. Não são tempos fá­ceis, é ne­ces­sário re­co­nhecer a gra­vi­dade do mo­mento que se re­flete na con­fi­gu­ração do Con­gresso, mas também de­vemos usar a am­pli­ação de nossa ban­cada, que tem a cara da di­ver­si­dade do povo, a fim de fazer dos nossos man­datos ins­tru­mentos e fer­ra­mentas para ga­rantir a de­mo­cracia e, mesmo em mo­mento de­fen­sivo, avançar em nossos pro­jetos.

Cor­reio da Ci­da­dania: Da sua cam­panha mais es­pe­ci­fi­ca­mente, o que pode falar ao leitor? Que forma de mi­li­tância e prá­tica po­lí­tica foi re­pre­sen­tada?

Ta­líria Pe­trone: Antes de tudo, cabe dizer o que con­si­de­ramos re­no­vação da po­lí­tica. No nosso caso, é cir­cular pelos ter­ri­tó­rios, pe­ri­fe­rias, su­búr­bios e fa­velas, es­cutar a po­pu­lação que mais sofre com o su­ca­te­a­mento dos ser­viços pú­blicos. E lem­brar que esse povo é con­creto, não abs­trato. Tem cor, gê­nero, ama, tem sua se­xu­a­li­dade...

As pautas e lutas en­ten­didas como iden­ti­tá­rias, em suas cai­xi­nhas, são parte das lutas do povo. En­frentar o ma­chismo, a lgbt­fobia, o ra­cismo, que se ma­ni­festa no en­car­ce­ra­mento e ge­no­cídio do povo negro, no país que li­dera o nú­mero de as­sas­si­natos de tran­se­xuais e é o quinto que mais mata mu­lher no mundo, é estar ao lado do povo, que é di­verso, ma­jo­ri­ta­ri­a­mente negro e fe­mi­nino.

Nosso man­dato se propõe a estar co­nec­tado com a luta po­pular, o que sig­ni­fica estar ao lado das re­sis­tên­cias po­pu­lares e contra os ve­lhos pa­drões. Que­remos ser fer­ra­menta de po­ten­ci­a­li­zação de tais lutas.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como en­xerga essa as­censão elei­toral con­ser­va­dora, re­fle­tida também no de­bate pú­blico? É pos­sível en­xergar, ao menos em parte, como uma es­pécie de volta “ro­mân­tica” a um pas­sado que já não pode ser re­a­li­dade, um res­sen­ti­mento em úl­tima ins­tância inócuo?

Ta­líria Pe­trone: O Brasil foi o úl­timo país a abolir a es­cra­vidão, é mar­cado por uma ló­gica pa­tri­arcal, dos ba­rões do café, dos grandes pro­pri­e­tá­rios que ocupam os par­la­mentos e por uma ló­gica fun­da­men­ta­lista. Isso não foi su­pe­rado. Se a co­lo­ni­zação ter­minou, as re­la­ções co­lo­niais ainda são muito fortes.

Assim, se fa­ci­lita uma nar­ra­tiva de apa­ga­mento da me­mória, de como esse pas­sado é ruim, ao passo que se exalta a me­mória do ódio, de que “lugar de mu­lher é em casa”, “o negro não tem sua li­ber­dade porque não cabe no país”, “a fa­mília tem um mo­delo único”...

Temos a res­pon­sa­bi­li­dade de dis­putar essa nar­ra­tiva contra os se­tores do ódio, do co­lo­ni­a­lismo. Pa­rece re­dun­dante, mas no­va­mente afirmo que pre­ci­samos estar nos ter­ri­tó­rios. Nunca foi tão ne­ces­sário estar nos ter­ri­tó­rios de um povo que está lá, faz “seus corres” no co­ti­diano afas­tado da po­lí­tica... E quando nos afas­tamos da po­lí­tica abrem-se bre­chas para que a his­tória co­lo­nial se apre­sente como nova, mesmo sendo a mais velha de todas.

É uma ta­refa muito di­fícil, em con­di­ções muito ad­versas, mas não po­demos fugir disso.

Cor­reio da Ci­da­dania: Con­si­de­rando todo o arco par­ti­dário, o que você co­menta da ban­cada fe­mi­nina para o Con­gresso? 

Ta­líria Pe­trone: A ban­cada fe­mi­nina não é a ban­cada fe­mi­nista, e muito menos a ban­cada do fe­mi­nismo po­pular. A re­pre­sen­ta­ti­vi­dade é muito im­por­tante, ti­vemos uma am­pli­ação de mu­lheres, agora são 77, mas é im­por­tante falar dos li­mites da re­pre­sen­ta­ti­vi­dade. Ela é muito, mas muito, ne­ces­sária. Nós, mu­lheres ne­gras, de origem po­pular, sa­bemos o que é car­regar o co­ti­diano nas costas, levar filho na es­cola, ter medo da vi­o­lência ao cir­cular pela ci­dade...

Es­tarmos re­pre­sen­tadas é im­por­tante para que a re­a­li­dade que ex­pe­ri­men­tamos no corpo seja re­fle­tida. Mas re­pre­sen­ta­ti­vi­dade não basta, tem de vir com uma po­lí­tica fe­mi­nista. E não qual­quer fe­mi­nismo, mas um que en­campe a luta an­tir­ra­cista, das tra­ba­lha­doras do­més­ticas, a luta po­pular... Para isso, sem dú­vida, não po­de­remos contar com a ban­cada fe­mi­nina in­teira, porque as mu­lheres que de­fendem o ódio, o ra­cismo e o medo como ele­mento mo­bi­li­zador não es­tarão ao nosso lado na luta pela eman­ci­pação de todas as mu­lheres.

É ótimo am­pliar a re­pre­sen­ta­ti­vi­dade, mas sempre pre­ci­samos lem­brar que re­pre­sen­ta­ti­vi­dade pre­cisa estar ca­sada com al­guma po­lí­tica.

Cor­reio da Ci­da­dania: Mu­dando um pouco de as­sunto, você vem de Ni­terói, onde foi pro­fes­sora e co­meçou a car­reira po­lí­tica. O que falar do des­li­za­mento de terra no Morro Boa Es­pe­rança, que cul­minou com a morte de 15 pes­soas? 

Ta­líria Pe­trone: Ni­terói tem IDH muito alto, um dos mai­ores or­ça­mentos do Brasil, apa­renta ser uma ci­dade de classe média e alta, branca, mas é pro­fun­da­mente de­si­gual. Tem abismos ra­ciais e so­ciais enormes.

A questão da mo­radia evi­dencia muito esse abismo. Em 2010 já tí­nhamos vi­ven­ciado uma tra­gédia so­ci­o­am­bi­ental que deixou mi­lhares de de­sa­bri­gados e de­zenas de mortos, o de­sastre do Morro do Bumba. Esses mortos também ti­nham cor, mo­ravam em áreas pre­cá­rias onde o Es­tado não che­gava...

In­fe­liz­mente, a questão não foi su­pe­rada. Vinte por cento da po­pu­lação mora em as­sen­ta­mentos pre­cá­rios e, em­bora a pre­fei­tura apre­sente nú­mero de casas cons­truídas, não há pla­ne­ja­mento para in­cidir nas áreas de risco.

Pois além da de­si­gual­dade so­cial e ra­cial, as áreas são ge­o­lo­gi­ca­mente pro­pí­cias a eventos so­ci­o­am­bi­en­tais. A pre­fei­tura en­cerrou plano de ma­pe­a­mento de riscos há mais de dois anos, pra in­cidir sobre os riscos em cada área e apre­sentar um plano de ha­bi­tação. Em­bora a UFF tenha apre­sen­tado um plano, a pre­fei­tura ig­norou.

Na au­sência de pla­ne­ja­mento para ma­pear e atacar os riscos – com dre­nagem, ur­ba­ni­zação, con­tenção de en­costas e em úl­timo caso re­as­sen­ta­mento das pes­soas em áreas pró­ximas – te­remos novos de­sas­tres am­bi­en­tais. A questão da mo­radia na ci­dade é grave e evi­dencia a falta de pla­ne­ja­mento.

Ni­terói tem três se­tores econô­micos que do­minam a ci­dade e ainda fi­nan­ciam os par­la­men­tares: es­pe­cu­lação imo­bi­liária, trans­porte e grandes lo­jistas. Ainda é uma ci­dade-mer­ca­doria. Pra re­duzir esses riscos, apenas fa­zendo pla­ne­ja­mento.

Outro as­pecto: a De­fesa Civil fun­ciona bem à beça na ci­dade. In­ter­dita um monte de casas. Mas de que adi­anta in­ter­ditar as casas e não apre­sentar saídas, no má­ximo abrigos pre­cá­rios? Os mo­ra­dores voltam para as áreas de risco.

É um pro­blema grave e é muito triste o que, mais uma vez, acon­teceu na minha ci­dade. Es­pe­ramos que não ocorra mais.

Cor­reio da Ci­da­dania: E como co­locar o acon­te­ci­mento numa pers­pec­tiva es­tru­tural, a con­si­derar o tipo de agenda po­lí­tica que pode pre­do­minar em 2019?

Ta­líria Pe­trone: Uma das coisas que o pre­si­dente eleito fala é da de­fesa da pro­pri­e­dade. Uma forma de jus­ti­ficar que vai fazer guerra “em de­fesa da Cons­ti­tuição”. Ora, a de­fesa da pro­pri­e­dade pri­vada não pode se co­locar acima do di­reito à dig­ni­dade, de se ter uma casa... Pre­o­cupa muito a pro­posta de cri­mi­na­lizar mo­vi­mentos so­ciais, num país de la­ti­fún­dios e que tem mais prédio vazio que gente sem casa, que nunca fez uma re­forma ur­bana a con­tento.

Te­remos de romper com grandes grupos econô­micos e es­pe­cu­la­tivos que jogam os po­bres para as pe­ri­fe­rias, dar su­porte a mo­vi­mentos que lutam contra a de­si­gual­dade, en­ten­dendo que os di­reitos de viver e morar, além da função so­cial da terra, pre­cisam estar acima do “di­reito” à pro­pri­e­dade pri­vada.  
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Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.
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